sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

OS DEUSES TAMBÉM MORREM

PUBLICADO NA FOLHA DA REGIÃO NO DIA 19 DE NOVEMBRO DE 2006



Ele tinha 87 anos, mas mesmo com a aguda rouquidão e as rugas que o acometeram parecia imortal. Poderia, sim, envelhecer, como envelhecem as antigas estátuas gregas, mas nunca deixar de existir.

Seu nome era Volodymyr Palanyuk, californiano descendente de ucranianos e com um pouco mais do que um metro e noventa de estatura. Volodymyr foi boxeador, herói de guerra, escritor e pintor, mas foi com o nome Jack Palance e na profissão de ator que definitivamente encontrou seu espaço.

Palance era ator gigantesco também no que concerne o talento, como o fora o esguio (“skinny” chamariam os americanos) Humphrey Bogart ou o corpulento Marlon Brando.

Palance era da estirpe de um Lee Marvin, ator de traços rudes e trágicos. Essas características o relegaram a condição de coadjuvante na maioria das produções nas quais se envolveu.



Mas seja como caubói vilanesco (“Os Brutos também Amam”), o conde Drácula (em uma produção televisiva dos anos 70) ou como chefão do crime organizado de uma soturna metrópole (o primeiro filme do Batman, de Tim Burton), Palance se destacava no quadro pelo seu total controle dos mais sutis gestos, ele era capaz de desestabilizar o ritmo de toda uma cena com o simples arquear das sobrancelhas.

Seu poder imagético rendeu uma memorável parceria com o rebelde cineasta Robert Aldrich nos anos 50, tendo atuado em três filmes do diretor, incluindo o papel de um astro em decadência no visceral “A Grande Chantagem”, filme que influenciaria os cineastas franceses da Nouvelle Vague e, principalmente, Jean-Luc Godard, que o escalaria, em 1963, para o papel do produtor de cinema Jerry Prokosch na obra-prima “O Desprezo”.

É do filme de Godard a célebre frase pronunciada por Palance: “Eu adoro deuses, eu gosto muito deles. Eu sei exatamente como ele se sentem, exatamente”. Ao lado da exuberante Brigitte Bardot, do cineasta Fritz Lang (que interpretou a si mesmo) e do ator francês Michel Piccoli, Palance pôde colocar em prática toda sua genialidade em um papel desagradabilíssimo, o produtor que sempre saca o seu talão de cheque quando ouve a palavra cultura.


Selvagem e teatral, Palance fez o megalomaníaco produtor como se estivesse realmente interpretando um deus em alguma peça grega A sua entrega ao papel, sua selvageria, é tamanha que se tem a impressão de que a película poderia se rasgar a qualquer momento enquanto ele permanecesse na tela.

Provavelmente será lembrado pelos seus filmes menores, como a comédia “Amigos, sempre Amigos”, no qual fez uma auto-paródia do seu papel em “Os Brutos também Amam”, ou como apresentador do programa televisivo “Acredite se Quiser”, mas em cada obra de sua vasta, e pouco seletiva, carreira é possível encontrar fragmentos de sua genialidade.

A parceria com o ator e comediante Chevy Chase no fraco “Confusão em Dose Dupla”, de 1994, é memorável nesse sentido. Nele, Palance interpreta o casual tira durão (uma espécie de paródia ao tipo “Dirty Harry” de Clint Eastwood), que conta com a ajuda de Chase, um típico pai de família suburbano norte-americano, para prender um bandido perigoso.


Por trás de uma comédia pouco inspirada, Palance parecia se divertir ao contracenar com Chase, divertia-se com ele talvez porque Chase representava, assim como ele próprio, um estilo de atuação dos velhos tempos: a do papel que se incorpora ao ator e não o contrário.

Há anos Palance vinha realizando apenas pequenas participações em seriados televisivos. Na verdade, há três décadas ele vinha realizando apenas pequenas participações em filmes decisivos e em outros menos importantes.

Apareceu por demais subitamente no écran, assim como subitamente veio a falecer, de causas naturais, no dia 10 de novembro desse ano, mas sua ligeira passagem por esse mundo deixa profundas marcas na História do Cinema. Os deuses definitivamente também morrem.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

UMA MARRETADA BIÔNICA

PUBLICADO NA FOLHA DA REGIÃO NO DIA 14 DE OUTUBRO DE 2006


“Oh, e agora, quem poderá nos defender?” Seja através de reprises na televisão ou visto pela tecnologia do DVD, as criaturas de Roberto Bolamos mantêm um frescor de dar inveja a novelas e seriados da atualidade.

No constante marasmo em que se vive quando se sintoniza em qualquer canal televisivo, Chapolin é um personagem que contrabandeia um pouco de caos, um certo nonsense juvenil, em um meio inerte.

Ele é um herói. O máximo de herói que um meio como a televisão poderia conseguir com o mínimo de honestidade: sempre tropeçando em si mesmo, seja em gestos (em suas próprias pernas) ou em palavras (quando troca o “c” pelo “p” no bordão “palma, palma, não priemos cânico”), Chapolin coloca em evidência a homogeneidade da tela da televisão, fazendo com que o espectador não só perceba a fragilidade do meio (A necessidade de repetição de macetes, os bordões e a pobreza das imagens enquanto meio expressivo) como gargalhe dela.

Sente-se a pancada de uma “marretada biônica” na cabeça quando se assiste a um episódio de Chapolin, os neurônios parecem sair de um estado letárgico e voltam a funcionar.


Chapolin, ou Chaves, foi e ainda é a criatividade que brota de um ambiente pouco criativo (a televisão) e que, conhecendo o seu meio, sabe fazer humor, uma crítica em cima disso. Isso faz com que permaneça, ainda hoje, bem atual.

Continuamos a rir das mesmas piadas não porque elas são modernas, mas sim porque sabemos que a TV, e aquilo que ela produz, não mudou nada da época em que os episódios foram exibidos pela primeira vez até hoje.

Qual a diferença entre o Rio de Janeiro de uma novela de Manoel Carlos e as pessoas que ficam no auditório de um programa “Casos de Família”? As decorações desses programas são tão pobres quanto as paredes de isopor de um episódio de Chapolin, o diferencial é que toda a pobreza que compõe a cenografia em Chapolin sempre é destruída ao final dos episódios de uma forma que sabemos ser aquilo tudo falso, enquanto o floreado Rio de Janeiro de Manoel Carlos, ou o auditório de Regina Volpato, é de “isopor”, porém vendido sempre como realidade, nua e crua.


Em Chapolin, a pobreza da televisão é passível de um humor crítico e consciente. A novela de Manoel Carlos, ou o programa “Casos de Família”, é risível de um modo involuntário.

Boa parte daquilo que a TV produz é risível porque nada realmente parece importar; programas existem porque algo precisa existir entre os comerciais.

“Chapolin” pode ser deixado de lado pela televisão, mas o lançamento dos episódios em DVD fará com que tenhamos bom recheio, mesmo sem os comerciais.