sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

UM FILME É UM FILME

PUBLICADO NA FOLHA DA REGIÃO NO DIA 17 DE FEVEREIRO DE 2008


A afirmativa do título é mais ou menos como aquela máxima futebolística "clássico é clássico" ou a outra "jogo é jogo e treino é treino" (e vice-versa?). Todas elas são frases que, por trás de uma aparente banalidade, escondem um sentido muito mais rico, ou seja, essencial à arte nas quais estão inseridas.

O que poderia ser um filme além de um filme? Ora, uma obra cinematográfica pode ser catalogada de acordo com seu gênero - comédia ou faroeste, drama ou aventura - pelo período em que se inscreve - clássico ou moderno -, por escolas e movimentos da história do cinema - expressionismo alemão ou realismo italiano - e até mesmo taxada de acordo com qualificações mais esnobes - entretenimento ou arte.

Um filme pode ser muitas coisas, não? Ele pode ser um filme de gênero, pode ter determinada importância no decurso da história da arte e pode, inclusive, direcionar-se a um público que deseja um prazer imediato ou uma fruição duradoura.

Porém, tais taxações podem fazer que um determinado filme seja ignorado injustamente por suas qualidades intrínsecas (a qualidade de "um filme ser um filme") em detrimento aos seus valores gerais (de "um filme que faz parte de...").

É aí que a sabedoria de uma frase tão óbvia quando “um filme é um filme” se mostra, pois ela é capaz de valorizar a singularidade de uma obra, de preservar o seu mistério.

"Um filme é um filme", uma sentença tão vaga quanto possível pode ser também bem justa. Afinal, não poderia ser um faroeste também um épico? Pois não foi exatamente isso que o diretor John Ford fez com o filme "Rastros de Ódio", um homérico faroeste?

Não poderia ser um filme expressionista também um filme realista? Friedrich Murnau provou que nada disso era impossível com os seus filmes. “Aurora” e “Tabu” estão muito mais próximos dos filmes de Jean Renoir e de Rossellini do que parecidos com os gabinetes de Caligari.


Um filme carimbado com o selo "artístico" pode ser simplesmente uma merda pretensiosa ou um entretenimento vulgar, como os são muitos filmes emperiquitados importados da França e tantos outros filmes de indivíduos que pensam ser os novos Antonionis - o fabuloso, ou odioso, destino de Amélie Poulain, é um bom exemplo.

Por sua vez, um subestimado filme de entretenimento ou de gênero, vulgarmente tratado por "filme comercial", pode muito bem ser uma grande obra de arte.

O crítico Luc Moullet, por exemplo, adorava reforçar seu amor pelos filmes de encomenda do italiano Vittorio Cottafavi (que fazia filmes do Hércules e tudo mais) colocando-os em briga exatamente com os filmes artísticos de cineastas como Michelangelo Antonioni ou Luchino Visconti.

Luc Moullet, que também é diretor de cinema, disse certa vez, por meio da narração de um dos personagens do filme "Les Sièges de l'Alcazar": "Antonioni esconde sua mediocridade sob um véu de pretensão, enquanto o senso de existencialismo de Cottafavi é discreto, transparente, invisível, pois sua magia é filtrada por meio do tradicionalismo de filmes técnicos e seu lirismo exacerba formas convencionais".


Não há coisas como filmes de arte ou comercial, vegetal ou mineral, nada disso. "Um filme é um filme" ainda é a melhor definição. É claro que um filme pode ser bom ou ruim, mas nunca ele será ruim por ser menos artístico ou mais comercial, por ser faroeste ou de terror.

Assim como não podemos julgar um livro pela capa ou uma pessoa por sua etnia, com o cinema as coisas funcionam da mesma maneira: um filme não é ruim porque é em preto e branco ou porque é novo ou velho, ele o é porque alguma coisa deu errado. Geralmente por causa das escolhas feitas pelo diretor e sua equipe.

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