A “política de autores” foi criada por redatores da revista francesa Cahiers du Cinema no final dos anos 50 no intuito de valorizar a arte cinematográfica de cineastas que não eram considerados verdadeiros artistas em ambientes intelectuais.
Entre os defensores do manifesto, estavam figuras que depois se tornariam conhecidas exatamente por seus papéis de diretores de cinema, como François Truffaut e Jean-Luc Godard.
Mais de meio século após o início das discussões sobre autorismo no cinema, a “política de autores” fez tanto barulho que causou muitas imprecisões interpretativas a cerca de suas reais intenções.
Muitos contestaram a “política de autores” sob o pretexto de que o manifesto diminuía a importância da colaboração de outros profissionais na feitura de um filme - como o papel do roteirista, do diretor de fotografia ou do montador -, ou até mesmo que essa “política de autores” era uma bobagem incompatível com a linha de produção industrial que movia as engrenagens do cinema.
O problema desses argumentos dissonantes era que eles pareciam servir apenas para macular uma possível individualidade dos diretores inseridos no sistema hollywoodiano e, assim, escancarar o culto aos artistas tidos como “verdadeiros autores”, aqueles inseridos em escolas classificatórias do cinema ou os que desenvolveram suas próprias teorias para o ofício.
No primeiro caso, o alemão Friedrich Murnau tinha sua obra classificada dentro do “expressionismo alemão”, enquanto o soviético Serguei Eisenstein escreveu algumas antologias sobre a montagem no cinema.
Assim, a “política de autores” insurgiu contra uma idéia preconceituosa que colocava o cinema em dois pólos distintos e irreconciliáveis: de que o cinema ou aspirava à arte e as inovações (o surrealismo de um cinema como o praticado por Luis Buñuel entre a virada da década de 20 para a de 30) ou era apenas uma atividade lucrativa, um divertimento (simbolizado principalmente pela indústria norte-americana).
A “política de autores” não surgiu para ditar modas, mas como uma ferramenta útil na avaliação e na individualização do trabalho dos cineastas, que seria reconhecido não por seus valores temáticos, não pelas mensagens que poderiam ser pregadas, mas pela maneira como o realizador articula as idéias, conduz uma narrativa.
A maneira como os diretores de cinema conduziam seu trabalho recebeu dos franceses um termo próprio e apropriado: “mise-en-scène” (o pôr-se em cena). Pela mise en scène o autorismo no cinema não surgia como uma forma de depreciar o trabalho dos outros colaboradores de uma obra, mas de ressaltar a importância do diretor na administração dos valores de tais colaboradores na produção de um sentido, de uma unidade.
Jean-Luc Godard disse sobre o manifesto que a palavra importante não era “autores”, mas “política”. O que ele afirmava com isso era que, nos anos 50, não interessavam aos redatores da Cahiers du Cinema transformar o culto às estrelas de cinema no culto aos cineastas. Não interessavam os nomes, mas o método de trabalho de cada cineasta e a identidade que eles imprimiam em cada trabalho. Interessava mais a política porque a teoria servia na defesa de um ponto de vista, da afirmação de uma visão de cinema.
Se Alfred Hitchcock era considerado um mero confeiteiro nas rodinhas intelectuais, a “política de autores” era a ferramenta a mostrar que os “bolos” feitos por Hitchcock tinham uma marca indefectível.
Se um cineasta como Howard Hawks, pouco afeito aos grilhões dos gêneros de cinema, era recebido com a indiferença de que seu trabalho nada tinha de pessoal, a “política de autores” era o instrumento a revelar que cada comédia, faroeste, drama ou aventura dirigida pelo realizador se enchia de traços que demonstrava a visão do homem, do profissional.
No cinema contemporâneo, é comum encontrar o nome de qualquer diretor estreante surgido dos videoclipes, ou da televisão, junto ao vaidoso crédito “Um filme de...”, mesmo que esse trabalho seja dotado de uma falta de talento ou personalidade.
A “política de autores” não existe para contemplar tais distorções, mas exatamente por desfazê-las, pois o conceito sempre servirá de arma na defesa de cineastas talentosos e desprestigiados, na defesa dos gênios que são tratados por bestas.
No fundo, não interessa o nome do cineasta em destaque nos créditos de um filme, mas tentar responder à básica pergunta: “afinal, quem faz os filmes?”. Como dizia Howard Hawks: “é o diretor que narra uma história e, se for bom, deve ter seu próprio método para contá-la”. Enfim, o método é tudo no cinema.
3 comentários:
Muito boa a postagem, Diego, para as antas que como eu ficam repetindo coisas que só ouviram falar e nunca procuram se embasar de fato.
Aproveito para pedir que vc publique um comentário no seu site ou no do inácio sobre o filme Zardoz, de john boorman. Vi há alguns dias, e posso dizer que ainda estou de boca aberta.
Rapaz, eu procurei nos arquivos da Folha e não encontrei nenhuma crítica ou comentário do Inácio sobre “Zardoz”.
Eu também não posso postar um comentário, pois nunca tive a chance de ver o filme. Uma pena, já que o cinema de Boorman me interessa muitíssimo.
Acho que não é tão difícil achar o filme, já que eu encontrei perdido em uma locadora da 100 por cento aqui em campinas. Só posso dizer que é hipnótico.
Postar um comentário