terça-feira, 24 de março de 2009

AFINAL, QUEM FAZ OS FILMES

PUBLICADO NA FOLHA DA REGIÃO NO DIA 06 DE ABRIL DE 2008


“Quem faz os filmes são os diretores de cinema”, diz o diretor Howard Hawks para o pupilo Peter Bogdanovich. “Afinal, são eles que contam a história e, para isso, devem ter seus próprios meios para contá-la”, complementa. O depoimento do cineasta norte-americano é um raciocínio autorista, que credita ao diretor a condição de autor na feitura de um filme.

As palavras de Hawks estão coletadas no livro “Afinal, quem faz os filmes”, obra editada por Peter Bogdanovich que pode ser considerado um dos melhores títulos lançados no Brasil a respeito da importância do diretor de cinema na realização de um filme.

O livro é o resultado das longas entrevistas que Peter Bogdanovich fez com os velhos mestres do cinema, entre as décadas de 60 e 70, no intuito de tirar deles algumas lições sobre o ofício que o jovem autor queria seguir - caminho iniciado em 1968 quando realizou o filme “Na Mira da Morte”.


“Se você quer fazer algo, siga, observe e questione os melhores profissionais do ramo”, dizia o pai Bogdanovich ao seu filho Peter. O bom filho seguiu os ensinamentos do pai e foi assim que deixou Nova York, onde trabalhava como programador de mostras de filmes para o Museu de Arte Moderna e agitador cinematográfico, para viver na Califórnia, em meio aos artistas de Hollywood.

Bogdanovich cresceu vendo filmes dos velhos mestres da indústria norte-americana: os faroestes de John Ford, as comédias de George Cukor, as aventuras de Raoul Walsh, as animações da turma do Pernalonga elaboradas por Chuck Jones, os filmes de Jerry Lewis dirigidos por Frank Tashlin, os filmes baratos de Joseph Lewis e Don Siegel, obras dos estrangeiros que ajudaram a solidificar a cinematografia do país, como os filmes de Otto Preminger, Alfred Hitchcock, Fritz Lang, etc.

Com essa paixão pelo cinema do passado, Bogdanovich trafegava contra a maré que tomava conta da década de 60, época no qual se valorizava muito mais as novas tendências do cinema do que os estilos de velhos cineastas - John Ford era gagá, enquanto Federico Fellini era o máximo.


O jovem promissor se incomodava com o tratamento dado aos mestres. Incomodou-se ao ponto de não só procurar muitos deles para saber como eles pensavam seu ofício (seguindo os conselhos do pai), como também os procurou para divulgar seus ensinamentos por meio de retrospectivas de seus filmes no Museu, na escrita de artigos para revistas especializadas ou através de programas televisivos inteiros dedicados a eles.

Com suas iniciativas, Bogdanovich conseguiu entrevistar Orson Welles para uma retrospectiva. Seu bom relacionamento com o realizador de “Cidadão Kane” ainda lhe rendeu um livro escrito junto com o cineasta, intitulado “Este é Orson Welles” (atualmente fora de catálogo no Brasil).

Daí em diante, o jovem passou a acompanhar as filmagens de muitos desses cineastas, a entrevistá-los e, no fim, tornar-se um amigo deles. John Ford e Howard Hawks foram dois dos artistas que Bogdanovich manteve um estreito relacionamento, ambos costumavam brincar com a mania do jovem em fazer “todas aquelas milhares de perguntas malditas”, mas os dois também se orgulharam quando Peter mostrou que aprendera algo com eles quando fez seus próprios filmes - entre eles o festejado “A Última Sessão de Cinema”.


“Afinal, quem faz os filmes” é um livro no qual Bogdanovich compartilha com o leitor um pouco do que aprendeu com esses senhores.

Há um pouco de tudo na obra, desde anedotas engraçadas - como a história contada por Raoul Walsh da vez em que roubou o corpo do ator John Barrymore na funerária e o colocou sentado no sofá do também ator Errol Flynn para pregar-lhe uma peça quando este chegasse bêbado em casa - até lições de cinema - Hawks ao comentar a importância de sempre cortar de uma imagem para outra quando houver algum movimento ou ação - e reflexões sobre a arte - Hitchcock ao analisar as metáforas sexuais de muitas de suas cenas.

O livro é um calhamaço de quase mil páginas, mas é também uma viagem pelos primórdios do cinema norte-americano, pelas mentes de alguns dos maiores gênios da arte, enfim, é uma leitura essencial para todos aqueles que se interessam em saber um pouco mais sobre aqueles que fizeram e que fazem os filmes.

segunda-feira, 9 de março de 2009

DILLON SEGUE ROURKE

PUBLICADO NA FOLHA DA REGIÃO NO DIA 30 DE MARÇO DE 2008


Os caminhos dos atores Matt Dillon e Mickey Rourke se cruzaram uma única vez, quando ambos integraram o elenco do filme “O Selvagem da Motocicleta”, dirigido por Francis Ford Coppola, em 1983. Naquele filme, Dillon interpretou o irmão mais novo e o maior admirador de Rourke (o selvagem do título), reconhecido pela sua fama de rebelde na pequena cidade em que viviam.

Os anos se passaram. Rourke de ídolo juvenil se transformou em fracassado quando deixou o cinema pelo boxe. Dillon seguiu caminho similar, foi uma das promessas dos anos 80 que não se concretizou, não teve uma sólida ou gloriosa carreira como Sean Penn.

Se o destino não se encarregou de promover o reencontro entre os dois atores - Abel Ferrara queria, inicialmente, Matt Dillon e Rourke para os papéis de Matthew Modine e Dennis Hopper no filme “Blackout” -, ao menos a história de admiração dos irmãos daquele filme de 1983 foi repetida quando Matt Dillon topou atuar no papel de Henry Chinaski no filme “Factotum”, dirigido pelo norueguês Bent Hamer.


A história se repete porque assim como, em “O Selvagem da Motocicleta”, Rusty James queria seguir os passos do irmão, Motorcycle Boy, Matt Dillon acabou por interpretar o personagem que Rourke havia habilmente encarnado no filme “Barfly”, de 1987, uma espécie de cinebiografia do escritor Charles Bukowski, criador de Henry Chinaski.

“Factotum” é claramente um filme de ator. Assim como o diretor Barbet Schroeder tinha confiado “Barfly” nas mãos de Mickey Rourke, Bent Hamer entrega seu filme para que Matt Dillon faça o show, com o auxílio de um impecável elenco de apoio (que inclui a queridinha do cinema independente americano Lili Taylor e Marisa Tomei).

Hamer estrutura o filme de um modo a acompanhar os passos descompassados de Hank Chinaski por ruas, bares, empregos, corridas de cavalo, apartamentos. Ao optar por não definir um período a ser seguido na vida do personagem, o cineasta faz como Bukowski fazia na escrita: simplesmente coloca os homens e as mulheres para viver a vida, por mais dura que seja.


Aparentemente o filme é um amontoado de trivialidades da vida de um escritor miserável. Anedotas da vida de um homem que passa seus dias a roubar cigarros em carros estacionados ou a trocar um trabalho por outro em questão de horas. Para não perder o foco, o cineasta recorre à narração em off (que utiliza trechos de poemas e contos de Bukowski), que mostra o olhar desencantado do personagem-escritor sobre a vida, sua dedicação à escrita e o amor por mulheres tão miseráveis quanto ele. Hamer consegue dar conta do recado.

Matt Dillon brilha opacamente em seu silêncio, com sua fala arrastada ou seus gestos entorpecidos - por vinho, whisky ou qualquer outra bebida etílica que seu personagem consome. Despido de qualquer pompa que geralmente atinge artistas que anseiam por interpretar homens “excêntricos” em sua miserabilidade, Dillon faz de Chinaski uma figura descompassada do restante da multidão que atravessa o filme, como antes fizera Rourke atuar como uma espécie de zumbi em “Barfly”.