Kathryn Bigelow é uma mulher. Uma mulher que faz filmes. Filmes de gêneros tidos como inferiores - do policial ao suspense. Conseqüentemente, ela é uma profissional do cinema triplamente marginalizada.
Quando se faz uma relação de mulheres cineastas, é comum figurar nomes como o da argentina Lucrecia Martel ou de francesas iguais a Catherine Breillat ou Claire Denis.
Enquanto a primeira faz um cinema "artístico", com uma visão crítica de instituições como a Igreja (no filme "A Menina Santa"), as francesas jogam seus olhares sobre a sexualidade (Breillat em "Romance") ou do corpo como uma investigação estético-sensorial (Denis em "Desejo e Obsessão", por exemplo).
São artistas sim, de fácil reconhecimento por seus estilos, suas diferentes perspectivas das coisas, o viés feminino. E o que nos dão os filmes de Kathryn Bigelow? Uma caçada a um assassino psicótico, em "Jogo Perverso" (1990), ou uma perseguição aos assaltantes de bancos no filme "Caçadores de Emoção" (1991)?
Nada de substancial, presume-se. Nada nos moldes do que se convencionou chamar de cinema de arte. Porém, um olhar mais atento sobre os filmes dessa realizadora norte-americana, graduada em pintura pelo Instituto de Arte de São Francisco, nos leva a um cinema que vai muito além da atração por explosões.
Quando se faz uma relação de mulheres cineastas, é comum figurar nomes como o da argentina Lucrecia Martel ou de francesas iguais a Catherine Breillat ou Claire Denis.
Enquanto a primeira faz um cinema "artístico", com uma visão crítica de instituições como a Igreja (no filme "A Menina Santa"), as francesas jogam seus olhares sobre a sexualidade (Breillat em "Romance") ou do corpo como uma investigação estético-sensorial (Denis em "Desejo e Obsessão", por exemplo).
São artistas sim, de fácil reconhecimento por seus estilos, suas diferentes perspectivas das coisas, o viés feminino. E o que nos dão os filmes de Kathryn Bigelow? Uma caçada a um assassino psicótico, em "Jogo Perverso" (1990), ou uma perseguição aos assaltantes de bancos no filme "Caçadores de Emoção" (1991)?
Nada de substancial, presume-se. Nada nos moldes do que se convencionou chamar de cinema de arte. Porém, um olhar mais atento sobre os filmes dessa realizadora norte-americana, graduada em pintura pelo Instituto de Arte de São Francisco, nos leva a um cinema que vai muito além da atração por explosões.
O cinema de Kathryn Bigelow tem uma marca, uma identidade muito forte impressa em cada filme assinado por ela. Ser triplamente marginalizada acabou lhe servindo de motivação, pois o sentimento de rejeição move cada fotograma composto pela diretora.
No filme "Jogo Perverso", por exemplo, tem-se exatamente a história de uma mulher recém-formada na academia policial. Mulher que ao vestir a farda é vista com maus olhos por seus companheiros de serviço e também rejeitada quando tenta manter um flerte com qualquer homem após revelar sua profissão. Quer seja o caminho a percorrer, seus personagens estão sempre na contramão.
Na contramão está o personagem de Keanu Reeves no popular filme "Caçadores de Emoção", um policial infiltrado numa gangue de surfistas californianos. No ambiente formal da delegacia, é tido como um vagabundo por andar com pranchas nas mãos; entre surfistas, é visto como um almofadinha.
"Jogos Perversos" e "Caçadores de Emoções" são filmes na filmografia de Bigelow que se aproximam e, ao mesmo tempo, se distanciam.
A sensação constante em seus filmes, de se estar infringindo leis e tratos morais, faz com que as obras de Bigelow detenham um outro olhar sob velhas formas do cinema de gênero.
"Jogo Perverso" é um filme de serial killer. Mas não só. Dá uma nova perspectiva, experiência, sobre ele. Por ter sido feito no auge das políticas neoliberais, no boom das bolsas de valores, o serial killer fatalmente é encarnado na figura de um corretor.
O tom frio da fita, de uma Nova York caótica e paradoxalmente inabitada, é uma visão bem honesta do começo da década de noventa. O outro lado desta moeda é o filme "Caçadores de Emoção". A gélida Nova York é substituída por uma ensolarada Califórnia. O formalismo opressor do azul, dos ternos e gravatas que sufocam em "Jogo Perverso", é trocado por cores quentes numa narrativa mais solta.
Os tons divergem, mas a sensação de não-pertencer a lugar nenhum toma a vida do policial em crise feito por Reeves, assim como tomava a vida da policial feita por Jamie-Lee Curtis. Ao mesmo tempo em que adere ao estilo de vida, ao espiritualismo dos surfistas ladrões que devia observar (liderados por Patrick Swayze), ele não deixa de condenar os atos do grupo.
Kathryn Bigelow representa um cinema que trafega por esse limiar, quase no limbo, entre o cinema industrial hollywoodiano e o considerado independente.
Como a atriz-diretora Ida Lupino, que foi renegada dos livros de história do cinema por trabalhar sob gêneros na era clássica de Hollywood, Kathryn Bigelow tende a ser deixada de lado na listagem de mulheres que fizeram carreira no cinema.
Profissional demais para os padrões "artísticos" ou artista demais para uma profissional da indústria, essas são questões que parecem pouco importar à diretora, que disse certa vez: "se há uma resistência no que diz respeito a mulheres fazerem filmes, eu prefiro ignorar esse expediente por duas razões: eu não posso mudar meu sexo e não consigo parar de fazer filmes".
O que importa são os filmes, esses meros filmes de gêneros que, em suas mãos, se tornam em obras autênticas. Autênticas porque, no fundo, Kathryn Bigelow é tão excluída quanto o policial surfista em “Caçadores de Emoção” ou a oficial de “Jogo Perverso”.
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