domingo, 22 de junho de 2008

O DONO DA NOITE

PUBLICADO NA FOLHA DA REGIÃO NO DIA 23 DE DEZEMBRO DE 2007


A família é tudo no cinema de James Gray. Ela é o tema de sua devoção e o cinema do gênero policial sua vocação.

Era assim em seu primeiro longa-metragem, “Fuga para Odessa”, no qual o assassino profissional feito por Tim Roth deveria cumprir um duro trabalho em seu antigo bairro ao mesmo tempo em que tinha a mais difícil missão de se reaproximar da sua família.

Era assim em “Caminho sem Volta”, filme em que o recém-libertado presidiário interpretado por Mark Wahlberg desejava entrar na linha, mas encontraria exatamente numa linha ferroviária o início de sua nova derrocada criminosa, influenciada por seu primo, Joaquim Phoenix, e seu tio, James Caan.

Por esses rumos o cineasta delineou sua curta carreira. Caminhos traçados também por Joaquim Phoenix em “Os Donos da Noite”, terceiro filme de James Gray.


Phoenix é Bobby Green, o promissor gerente de uma boate mantida por um empresário russo. Ao lado de sua namorada, interpretada por Eva Mendes, ele leva uma vida à margem da sociedade.

Não diferente dos filmes anteriores, a família entra na história como um problema a ser resolvido e como motivo para o descabeçado Bobby assumir finalmente seu papel no seio familiar, aceitar suas responsabilidades.

O pai e o irmão dele são policiais, mas não é tudo. Eles planejam uma imensa apreensão de drogas exatamente na boate gerenciada por Bobby. Acompanhar a família ou seguir junto aos amigos? É esse o dilema que corrói o personagem de Phoenix em seu calvário.


O drama familiar e os dilemas morais mencionam um cinema fora de moda, antiquado. Pode até ser que essa história já foi contada um milhão de vezes, mas é a intensidade que conta a favor do cinema de Gray.

James Gray é um tradicionalista, mas não faz do cinema narrativo um fardo burocrático, não trata com desdém a falta de ineditismo de suas histórias. Ele tem convicção no seu trabalho, na capacidade de fazer de um universo tão batido um sopro de emoções.

Uma boate num filme de Gray não parece ou é uma boate, é uma válvula de escape. Um mafioso não se coloca como tal, ele é um homem comum. Um pai não age como um homem nascido de uma mente brilhante de algum roteirista, ele simplesmente age como um homem nessa condição.


Os cenários e personagens não são meramente figurativos, pois descrevem sentimentos. Paisagens sentimentais e atores que transparecem com suas presenças todos esses tormentos interiores dos personagens.

Não parece ser de interesse de James Gray dar uma lição de valores familiares com seu filme, mas, simplesmente, fazer o público compreender a força da corrente que os unem quando as coisas apertam.

Também não parecem muito importantes questões como “quem são os bandidos e os mocinhos” ou se uma determinada cena de perseguição de carros numa avenida é “eletrizante”.

Se o calvário de Bobby é tudo o que interessa ao filme, o realizador não mede esforços para que o espectador compreenda a posição ocupada pelo protagonista.


A cena onde Phoenix chora ajoelhado nas pernas de sua namorada após visitar seu irmão no hospital, depois dele ter sido baleado, deixa muito claro o que interessa ao cineasta.

Ele não filma a cena por um ângulo a reforçar a comoção do personagem. Nada de close-up em seus olhos lacrimosos. A uma distância considerável, vemos o ator entrar e cair diante da atriz. Entretanto, no momento de sua rendição, a câmera deixa-o de fora do enquadramento para se fixar na inesperada reação de Eva Mendes.

O que tem de importante nesse procedimento, nessa encenação? Ao deixar de investir no choro fácil de seu personagem, o realizador toma uma posição clara: se Phoenix expõe sua preocupação com o estado de seu irmão estando fora do quadro, tal recurso diz muito sobre o próprio papel que ele representa na sua família, o de excluído.


Quando centrado na vida atribulada de Bobby, o filme é narrado de forma insinuante, inebriante: os personagens e a câmera estão sempre em movimento. Quando Bobby vai de encontro à sua família, o filme prima pela imobilidade.

A família é o centro, esse ponto referencial estável, e para Bobby retomar seu papel no seio familiar, ele inevitavelmente deverá tomar a partido desse imobilismo. Deixar de fugir do enquadramento - sua agitação na boate, sua posição fora do quadro na cena do choro - para inscrever-se nele.

São essas especificidades que encantam no cinema de Gray, ou seja, o seu olhar - suas escolhas e o cuidado dado a cada detalhe - que faz seu cinema destoar tanto do que é feito atualmente no cinema industrial e também no independente.

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