domingo, 1 de junho de 2008

CINEMA PARADISO, CINEMA DE LAMÚRIAS

PUBLICADO NA FOLHA DA REGIÃO NO DIA 25 DE NOVEMBRO DE 2007


“Cinema Paradiso” mostra o fascínio que a sala escura exerce sobre os espectadores. É também um conto nostálgico de um tempo que não mais existe, em que os beijos encenados na tela escura eram censurados pelos projecionistas em nome da Igreja.

Mas de que cinema nos fala Giuseppe Tornatore, o realizador de “Cinema Paradiso”? De início parece ser o aspecto religioso da arte, ao fazer do menino que se apaixona pela cabine de projeção, Totó, um coroinha.

O filme segue esse itinerário, quer seja ao mostrar a devoção pelo cinema compartilhada por todos os moradores da pequena vila siciliana ou quando Tornatore, em meio a cena do incêndio no cinema, deixa de lado os negativos, poltronas e a tela escura para mostrar a imagem de uma santa queimando.


Há momentos em que o filme parece seguir outra lógica, como no momento em que a população se revolta ao ter sua entrada no cinema impedida ou quando o romance de Totó com a filha de um banqueiro é interrompido. Tornatore trilha uma direção a indicar que a política também está indissociável do cinema.

Caminhos que se revelam como meros fogos de artifício, vendo que a religiosidade dogmatizada do filme o impede de tomar qualquer partido do cinema como também de levar a crença para além da superfície.

Quando vão demolir o prédio do cinema da vila, por exemplo, os moradores, que antes tinham o local como uma Igreja, apenas choram, resignados. Não procuram lutar contra aqueles que tentam impor o fim do cinema, nem acreditam que o cinema possa ressuscitar, como Cristo.


Complacência que não resulta em outra coisa além de um filme que ora clama pelo burlesco (quando Totó vai para o exército), o melodrama (o romance de Totó) ou por uma tragédia grega (o cinema incendiado, as projeções em praça pública e o fechamento do velho cinema).

Clama por diversos gêneros e por diversos filmes não como se traçasse uma historiografia cinematográfica ou prestasse tributo ao cinema caro ao seu, mas como se quisesse agradar à todos os partidos sem antes definir um próprio.

O cinema no filme é nada além do que um truque de mágica infantil, idéia expressada tanto no sermão que Alfredo prega à Totó (que diz “a vida é mais dura que o cinema”) quanto no fato do cinema ir sendo esquecido no filme a cada passo que Totó dá rumo ao amadurecimento.


Tornatore não presta tributo ou organiza uma história do cinema, trata as intenções do seu filme como se fossem suficientes para torná-lo grande. Talvez o fosse caso Buster Keaton não tivesse realizado “Sherlock Jr.” em 1924 ou se Luc Moullet não tivesse caducado “Cinema Paradiso” ao fazer “Les Sièges de l’Alcazar” em 1989.

Tais filmes, ambos médias-metragens, não se sustentam por uma idéia romantizada do cinema. Para Buster Keaton, nos áureos tempos do cinema mudo, fazer uma carta de amor ao cinema era também refletir sobre as potencialidades do humor.


Moullet não é diferente. Para ele, o cinema é a extensão da vida, afirmativa evidenciada na abordagem de um romance impossível entre um crítico dos “Cahiers du Cinéma”, fã dos épicos de Vittorio Cottafavi, e uma mulher crítica da “Positif”, amante dos filmes intelectuais de Michelangelo Antonioni.

Para Keaton, o cinema está um passo à frente da realidade. Em “Sherlock Jr.” o herói pede a mão de uma moça em casamento imitando uma cena de um filme assistido e fracassa ao ver que no filme dentro do filme a imagem do anel colocado na mulher é seguida pelo nascimento de um bebê, procedimento que ele não imitará antes do prazo de nove meses.


Para Moullet a danação do herói cinematográfico é também a danação do homem. O protagonista do filme dentro do filme perde a mulher amada, assim como o crítico fracassa ao tentar conquistar uma moça enquanto desenrola-se o clímax do filme de Cottafavi.

O espírito de “Cinema Paradiso” se resume mesmo à sua cena final. Se nela todos os personagens choram enquanto enterram o projecionista Alfredo e quando o prédio é demolido, o filme é nada além desse choramingo que clama por tempos que não voltarão.


Um choro pela morte de um cinema que nunca esteve vivo. Com “Cinema Paradiso”, Giuseppe Tornatore petrifica o cinema à um estágio ultrapassado mesmo sabendo que a arte, assim como seu personagem Totó, tornou-se adulta.

Talvez a arte não tenha amadurecido, talvez não tenha passado de uma invenção sem futuro (como definiram os criadores do cinematógrafo, os irmãos Lumière), mas essas são questões que não interessam à Tornatore, que prefere apenas chorar o leite derramado.

Nenhum comentário: