Eu vi o filme “As 4 Aventuras de Reinette e Mirabelle” no cinema, numa pausa entre as sessões da Mostra de Cinema de São Paulo no ano de 2005. O filme que Eric Rohmer dirigiu em 1987 fazia parte das constantes reprises promovidas pelo falecido Top Cine.
Nesse meu primeiro contato com a obra de Rohmer, anotei algumas palavras sobre o filme. Impressionara, sobretudo, o modo como Rohmer dispunha uma história aparentemente simplória - o encontro entre uma garota da cidade (uma etnologista) e outra da fazenda (uma pintora) - com o intuito de pensar algo muito maior, o próprio ofício.
Pareceu-me na época que o cineasta queria dizer ser o cinema o passo evolutivo nas artes das imagens, transição feita por meio da reunião entre o artesanal (o campo, a pintura) com o industrial (a cidade, o cinema).
Após ter visto cerca de meia dúzia dos filmes do cineasta, num corpo de mais de cinqüenta trabalhos, e revisto “As 4 Aventuras de Reinette e Mirabelle” em dvd, diria que tanto a limpidez da descrição quanto o ensaio sobre a própria arte mantiveram-se intactos.
Nesse meu primeiro contato com a obra de Rohmer, anotei algumas palavras sobre o filme. Impressionara, sobretudo, o modo como Rohmer dispunha uma história aparentemente simplória - o encontro entre uma garota da cidade (uma etnologista) e outra da fazenda (uma pintora) - com o intuito de pensar algo muito maior, o próprio ofício.
Pareceu-me na época que o cineasta queria dizer ser o cinema o passo evolutivo nas artes das imagens, transição feita por meio da reunião entre o artesanal (o campo, a pintura) com o industrial (a cidade, o cinema).
Após ter visto cerca de meia dúzia dos filmes do cineasta, num corpo de mais de cinqüenta trabalhos, e revisto “As 4 Aventuras de Reinette e Mirabelle” em dvd, diria que tanto a limpidez da descrição quanto o ensaio sobre a própria arte mantiveram-se intactos.
Uma situação e um diálogo de outro filme do cineasta, “O Raio Verde”, ajuda-nos a compreender a beleza por trás da trivialidade que emana na obra do realizador.
Na situação, numa discussão sobre os anseios amorosos, uma amiga diz para a outra que ela não a conhece o suficiente para se intrometer na sua vida. Eis que a moça retruca ao dizer conhecê-la o suficiente por meio daquilo que ela aparenta, seus gestos e postura.
No diálogo, uma moça pergunta para o filho de sua irmã o porquê dele achar a Irlanda um país interessante, a criança responde que gosta de lá por sua mãe lhe falar tão bem do lugar.
O que os dois momentos revelam de importante sobre o cinema de Rohmer é o quanto a aparência pode dizer sobre o caráter de alguém, ou seja, sobre ser a encenação um instrumento essencial do cinema e, ao mesmo tempo, como a expressividade desse mecanismo se faz por intermédio da fala, denunciando o gosto do artista por um aspecto mais teatral do cinema.
As quatro aventuras do título mencionam os quatros episódios claramente divididos na narrativa: “A Hora Azul”, “O Garçom do Café”, “O Mendigo, a Cleptomaníaca e a Trapaceira” e “A Venda de um Quadro”.
Na primeira parte, Mirabelle conhece e recebe a ajuda de Reinette quando fura o pneu de sua bicicleta ao fazer um passeio no campo. As duas se tornam amigas e Mirabelle passa uns dias na fazenda de Reinette a fim de conhecer a mítica hora azul.
A hora azul é o minuto antes da aurora do dia onde se pode contemplar a natureza no mais absoluto silêncio; é o momento em que os animais noturnos se calam para dormir e os animais diurnos ainda não acordaram. O episódio é um elogio ao cinema de Roberto Rossellini, ao filme “Stromboli”.
A exaltação manifestada na expressão de Mirabelle ao finalmente contemplar a “hora azul” é digna do momento de epifania presenciado por Ingrid Bergman no filme italiano, quando observa a beleza e a fúria da natureza na erupção de um vulcão.
Ainda neste episódio, Reinette mostra uma de suas pinturas para Mirabelle e diz a ela como uma diminuta formiga desenhada no quadro é o que mais a encanta naquele trabalho. A obsessão da pintora pelo detalhe revela a magia da arte de Rohmer, a de converter uma particularidade no específico de sua arte.
O filme prossegue e no episódio seguinte as moças estão em Paris, onde marcam de se encontrar em uma cafeteria no final da tarde. Reinette mal conhece a cidade e o trabalho de Rohmer aqui consiste em dar vazão ao temor surrealista da camponesa em viver num ambiente dinâmico.
O desenho da formiga ganha, no filme, a forma de dois homens a quem a moça recorre para se informar sobre a localidade da cafeteria, homens que protagonizam uma desproporcional e insólita disputa para ver quem a informa melhor.
Outra formiga nessa história é o garçom psicótico que não aceita o pagamento do café com uma nota alta e pensa ser Reinette a trapaceira que lhe dará o calote.
Entre os mal-entendidos com o garçom, o diretor põe em crise os mecanismos próprios de seu cinema (a fala e os gestos), estendendo-a para o terceiro episódio:
Se o garçom não acredita no que Reinette diz e lhe mostra, será ela a mulher enganada no decorrer da esquete no qual uma trapaceira encena na estação de trem uma situação em que teria perdido seus pertences e necessitaria de dinheiro para retornar a sua casa.
Num mundo onde a pureza da encenação perdeu o valor, como o cinema pode restituir a estima, o encantamento? A resposta é apresentada no último episódio quando Rohmer faz suas protagonistas regressarem ao cinema silencioso com o intuito de vender um dos quadros de Reinette a um marchand aproveitador.
O encanto do presente está no ato de se olhar para trás: na contemplação da natureza e seu silêncio na “A Hora Azul”, na commedia dell’arte predominante nas confusões entre a moça e o garçom, no cinema mudo do último episódio. Para Rohmer, o regresso é a salvação da arte.
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