Jean-Luc Godard foi o maior artista do século XX. Não só o maior artista de cinema, mas aquele responsável por fazer de seu instrumento, a câmera, um instrumento para agregar e repensar todas as outras artes.
O realizador acreditava ser o cinema não uma arte da ficção, não um simulacro, e sim a marca impressa do verdadeiro, análoga à imagem do Cristo sobre o sudário de Verônica. Para ele, o cinema é um ladrão do mundo: não cria, e sim retira as coisas do mundo e as acondiciona.
Godard acondicionou a ópera de Bizet nos anos 80 em seu “Prenome Carmen”. Revigorou a música de Bizet transformando Carmen numa jovem sobrinha ladra de um velho doente cineasta, o próprio Godard, que não consegue grana para financiar seu novo projeto.
Com “Passion”, colocou em questão a pintura na história de um cineasta que tenta recriar a luz perfeita de Delacroix e Rembrandt à luz dos conflitos de classe de uma empresa e em “Tempo de Guerra” promoveu o encontre do cinema de Rossellini com o teatro brechtiano numa parábola sobre a estupidez da guerra.
“O Desprezo”, recém-lançado em dvd, é a obra no qual esse empreendimento de Jean-Luc Godard, o de fazer a história do cinema a única história do mundo, encontra-se numa chave mais compreensível - menos ensaística e mais narrativa.
O realizador acreditava ser o cinema não uma arte da ficção, não um simulacro, e sim a marca impressa do verdadeiro, análoga à imagem do Cristo sobre o sudário de Verônica. Para ele, o cinema é um ladrão do mundo: não cria, e sim retira as coisas do mundo e as acondiciona.
Godard acondicionou a ópera de Bizet nos anos 80 em seu “Prenome Carmen”. Revigorou a música de Bizet transformando Carmen numa jovem sobrinha ladra de um velho doente cineasta, o próprio Godard, que não consegue grana para financiar seu novo projeto.
Com “Passion”, colocou em questão a pintura na história de um cineasta que tenta recriar a luz perfeita de Delacroix e Rembrandt à luz dos conflitos de classe de uma empresa e em “Tempo de Guerra” promoveu o encontre do cinema de Rossellini com o teatro brechtiano numa parábola sobre a estupidez da guerra.
“O Desprezo”, recém-lançado em dvd, é a obra no qual esse empreendimento de Jean-Luc Godard, o de fazer a história do cinema a única história do mundo, encontra-se numa chave mais compreensível - menos ensaística e mais narrativa.
Na série de vídeos intitulada “História(s) do Cinema”, Godard pôs de modo sistematizado sua idéia de como o cinema se relaciona com a história (dos homens, das sociedades, do planeta) e às histórias (às narrativas), elegendo-o como único instrumento capaz de contar a história do mundo, empreender sua narrativa.
Se nos vídeos o pensamento de Godard é sistematizado, em “O Desprezo” a história do cinema e da humanidade está presente na ordem da evidência. Patente inclusive por ser uma narrativa sobre o próprio cinema - começa com o elucidativo plano da câmera se aproximando e mirando para o espectador.
Um escritor francês (Michel Piccoli) é contratado por um produtor norte-americano (Jack Palance) a escrever uma nova adaptação para a obra grega “A Odisséia”, filmada pelo alemão Fritz Lang nos estúdios italianos da Cinecittà.
As histórias das outras artes estão presentes na narrativa epopéica de Homero, odisséia que faz parte tanto do filme dentro do filme como afeta o romance entre o roteirista e sua esposa (Brigitte Bardot), que passa a desprezá-lo, abandoná-lo a cada passo dele pelas filmagens.
A música de Bach ganha uma releitura do compositor Georges Delerue, que dá o tom trágico da obra, as rígidas marcações teatrais dos atores diante da câmera e em meio aos cenários e o desempenho tétrico de Jack Palance muito remetem ao teatro e a tragédia shakespeariana.
As histórias do cinema não ficam atrás, estão nos pôsteres arranhados e espalhados pela Cinecittà de alguns filmes que Godard tanto amou e defendou quando crítico e, ainda, na presença do pioneiro Fritz Lang interpretando a si mesmo e Godard participando, humildemente, na condição de assistente de Lang.
Alguns fantasmas próprios dos filmes anteriores de Godard retornam: Brigitte Bardot é assombrada por Anna Karina, então esposa e atriz do cineasta, ao usar uma peruca de cabelos negros e curtos e imitar alguns traquejos dela.
A crença de o cinema empreende a narrativa do mundo está no uso do terreno regional (as filmagens na Cinecittà) como um meio para se atingir o global. As diversas línguas que são faladas e ouvidas, produzindo o caos usual de uma babel, são assimiladas e organizadas por meio da transparência do recito do cineasta.
O próprio uso recorrente de flash-backs está no filme não para explicar qualquer coisa ao espectador, mas como um meio de fazê-lo compartilhar o desconcerto do roteirista que não consegue descobrir o motivo de sua mulher passar a desprezá-lo.
As histórias do mundo, das histórias das artes e do cinema se aglutinam em “O Desprezo”. Se Godard foi o maior artista do século XX, essa é a obra que reivindica o título.
3 comentários:
Também sou um grande admirador de Godard; para mim, um dos 3 ou 4 maiores do cinema. Gostei do seu texto, assim como gostei bastante da postagem anterir. Abraços.
Para mim, não há melhor exemplo de "homem-cinema" do que Godard, que é aquele que sempre buscou colocar todas as crises do mundo em sua arte e, conseqüentemente, botar sua própria arte em crise.
Por todas suas preocupações, por tudo aquilo que empreendeu - pelos seus raciocínios e por suas incertezas -, por manter viva a chama do cinema - mesmo que, às vezes, o fogo só queimasse brandamente ao ponto de nos deixar à mercê da escuridão -, Godard está no topo do meu ranking.
Que belo texto Diego! Assim como "viver a Vida", "O Desprezo" faz parte da minha lista de melhores.
Márcio
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