quarta-feira, 16 de abril de 2008

LOST IN TRANSLATION

PUBLICADO NA FOLHA DA REGIÃO NO DIA 26 DE AGOSTO DE 2007


Quando realizou seu primeiro longa-metragem, "As Virgens Suicidas", de 1999, Sofia Coppola não só conseguiu ofuscar sua contestada atuação no terceiro episódio de "O Poderoso Chefão", dirigido pelo seu pai, Francis Ford Coppola, como passou a ser vista como uma promissora realizadora. Filha de peixe, disseram muitos.

De promessa à consagração meteórica com o seu segundo trabalho, "Encontros e Desencontros", de 2003, faltava à filha do "homem" apenas sentir o gosto do fracasso que tanto acompanhou a carreira de seu pai (o fracasso total, de crítica e público, do musical "O Fundo do Coração" é um bom exemplo). Fracasso que chegou para a jovem, em 2006, com o lançamento do seu último longa-metragem, "Maria Antonieta".


No Brasil, o filme não só demorou a ser lançado no cinema como teve uma repercussão gélida. O que se deve deixar claro é que o fracasso de "Maria Antonieta" não foi um fracasso artístico, de um projeto que pretendia certas coisas que não foram executadas, nada disso.

A ruína do filme foi de uma obra que não conseguiu ser compreendida. Como as jovens pertencentes ao universo da cineasta, o filme ficou "lost in translation" (o título original do seu segundo trabalho).


Àqueles que esperarem do filme um drama histórico ou qualquer tratamento pudico na reconstituição biográfica da rainha francesa que foi presa e decapitada na era da Revolução, podem tirar o cavalo da chuva porque Sofia Coppola nem se propõe a fazer uma releitura histórica ignóbil, como as do italiano Franco Zeffirelli, e muito menos clama pelo cinema aristocrático e suntuoso do mestre Luchino Visconti.

O que Sofia Coppola persegue em "Maria Antonieta" não é muito diferente do que vinha perseguindo desde seu curta-metragem "Lick, the Star", de 1998, que é manter certa cumplicidade no retrato de jovens garotas deslocadas dos ambientes em que estão inseridas e que procuram transcender seus mundos, as etiquetas, as normas que os regem.


A Maria Antonieta de Kirsten Dunst não é diferente de uma das irmãs virgens que a atriz interpretou no primeiro filme de Sofia e nem está longe da melancólica Scarlett Johansson de "Encontros e Desencontros". A clausura da corte de Versalles não é menos sufocante do que o hotel japonês de "Encontros e Desencontros" e a figura castradora da Condessa de Noailles (Judy Davis), que ensina as regras do jogo à jovem rainha, é a sombra da mãe (Kathleen Turner) no "As Virgens Suicidas".

O filme "Maria Antonieta" é a prova do que o escritor Charles Baudelaire, no livro “Sobre a Modernidade”, idealizou como sendo o modelo de uma obra de arte moderna: um filme que utiliza as clássicas vestimentas, velhos costumes e cenários para falar do que está próximo de nós, da contemporaneidade.


Não à toa o rei Luís XVI feito por Jason Schwartzman é pintado como um nerd - o fascínio dele por cadeados pode ser lido, na verdade, como um comentário sobre os jovens viciados em computadores ou jogos RPG -, ou um dos diálogos das moças da corte, sobre um suposto depoimento de Maria Antonieta ("Se os franceses não tem pão para comer, que comam bolo"), é tratado como se fosse um boato espalhados em tablóides, etc.

Como as personagens que cria, Sofia Coppola não se deixa vencer por rígidas regras de reconstituição. Se há uma necessidade de acompanhar as andanças da adolescente Maria Antonieta (em nenhum momento do filme ela é filmada como “rainha”) com uma música eletrônica da dupla francesa Air, ela não hesita e utiliza-a.


Em poucas vezes na história do cinema um artista teve a ousadia de filmar um baile de máscaras do século XVIII como se estivesse a registrar um baile de formatura. Sofia Coppola, como os grandes artistas, foi capaz não só dessa proeza como a de revigorar e aproximar o olhar do espectador para um período tão distante.

Maria Antonieta contempla a iluminação do raiar do sol ao andar de carruagens, sua cabeça está encostada na janela e o reflexo da paisagem que ela olha reflete no vidro. O ritmo e a forma como ela é filmada remete diretamente a qualquer uma das cenas de “Encontros e Desencontros”.


É certo que o espectador não está em uma paisagem do Japão, como no filme anterior, talvez não esteja em Versalles ou sequer na França que se acostumou a ver nos cinemas, mas o espectador certamente embarca numa estranha e sedutora paisagem, no universo de Sofia Coppola.

2 comentários:

Francine Esqueda disse...

Adorei seu blog, super criativo e com um visual nota 10, Parabéns!!
Abraços, Francine

Diego Assunção disse...

Obrigado, Francine