domingo, 6 de abril de 2008

MORRE CINEASTA QUE DESCREVEU A MORTE BEM

PUBLICADO NA FOLHA DA REGIÃO NO DIA 05 DE AGOSTO DE 2007


Ingmar Bergman foi o cineasta que todos os iniciados na arte do cinema adoram idolatrar. E que muitos cinéfilos experientes insistem em odiar. A única certeza que fica agora, com a chegada de sua morte, é que ele foi um artista que não precisou morrer para ser reconhecido. Bergman morreu consagrado.

Os neófitos adoram Bergman porque vendo seus filmes tem-se a clara impressão de estar consumindo um cinema de arte. O ódio que os mais experientes nutrem pelo realizador se deve menos por sua carreira e mais pelos fãs dele, que vêem em Bergman a “arte do cinema”, como se qualquer filme, até mesmo o mais desleixado formalmente, não fosse arte, mesmo que sem grande valor.

Ingmar Bergman é um dos nomes que fica em negrito nas enciclopédias sobre a história do cinema. É por nomes assim que se começa a vasculhar a arte em busca de algum encanto, da magia e também da verdade.


Por Bergman eu comecei, acompanhado de Federico Fellini, Wim Wenders, François Truffaut. Todos os artistas escritos em negrito, todos aqueles que faziam "grande arte".

De Fellini, buscava a reflexão sobre a memória, o cinema que sempre falava do cinema. De Wenders, a melancolia de uma arte em decadência. De Truffaut, o romantismo. De Bergman, uma forma de profundidade filosófica e psicológica. Eram temas que meus olhos inexperientes, e mais míopes do que são hoje, não encontravam nos policiais de Don Siegel, na "chatice" de Jean-Luc Godard, nos faroestes de John Ford ou Howard Hawks.

Os filmes tinham que ser "profundos". Buscava-se profundidade em uma arte dada à superfície. Superfície que tão facilmente convence quanto engana. E Bergman me enganou, porque quando se encontra a beleza da transparência de um Howard Hawks é difícil não confrontar a pompa ostentada nos monólogos de "O Sétimo Selo" ou nas cores de "Gritos e Sussurros". De gênio, Bergman tornou-se a besta.


Foram necessários alguns anos para retornar à Bergman e fazer as pazes, porque por trás de um cineasta que queria provar sua genialidade aos outros com o uso demasiado da “profundidade” que sustentaria mais fama do que uma cena ou um filme, havia sim um realizador hábil, de raro talento em fazer uma imagem exprimir aquilo que ele queria que ela exprimisse. Com uma simplicidade e eficácia que deixava evidente a admiração que detinha por John Ford, aquele que fazia "apenas" faroestes.


E das coisas que interessavam exprimir, Bergman sempre se fascinou pela morte. Ele a materializou em "O Sétimo Selo" para repousar sob questões existenciais, como o livre-arbítrio e a insignificância do homem perante ela. Ele refletiu sobre ela e confrontou-a com os princípios protestantes no "A Fonte da Donzela". Ele, ainda, partiu dela para abordar a velhice e memória em "Morangos Silvestres".

O que permanece na retina, porém, não é a profundidade que seus filmes continham. Não são os discursos e as reflexões, mas as imagens, a forma como ele descrevia as coisas através das cenas.

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