domingo, 20 de abril de 2008

VÊNUS EXTRAI JOVIALIDADE DA VELHICE

PUBLICADO NA FOLHA DA REGIÃO NO DIA 02 DE SETEMBRO DE 2007


Na mitologia Vênus é a deusa responsável por contrabandear o ardor do desejo para a vida dos homens. Na pintura foi a inspiração para artistas como Velásquez. No filme dirigido por Roger Michell é a forma como Maurice (Peter O’Toole), renomado ator e conquistador de outrora, apelida Jessie (Jodie Whittaker), bela jovem que trabalha de enfermeira para seu amigo Ian (Leslie Phillips), um velho tão acabado quanto ele.

Se aparentemente o enredo sugere uma obra de momentos constrangedores ou por demais açucarados, o cineasta Roger Michell (conhecido por ter feito "Um Lugar Chamado Nothing Hill") driblou qualquer expectativa negativa e fez uma tragicomédia tão sóbria, e ao mesmo tempo surpreendente, quanto os idosos do seu filme.


As primeiras informações que o filme passa ao espectador não são diferentes de qualquer outra comédia sobre velhice: dois velhinhos bacanas, Ian e Maurice, estão sentados numa mesa de uma cafeteria e brincam sobre morte, remédios, aposentaria e sexo. Aparentemente um filme que utiliza o mais do mesmo. As impressões mudam quando Ian anuncia a jovem que entrará em sua vida nas cenas seguintes.

Com a entrada da jovem, assim como a deusa que faz brotar o desejo e a musa que inspira os artistas, os idosos do filme ganham vida. Maurice especialmente, que tenta de várias maneiras se fazer notar perante a garota que não dá a mínima bola para ele.


Maurice certamente não procura por sexo (a operação de próstata que ele faz no decorrer do filme explicita isso), mas em nenhum momento se sabe exatamente o que ele quer da menina. Do mistério, o filme cresce.

Jessie (ou Vênus) leva Maurice para seu habitat, uma boate. Maurice leva sua Vênus para o seu - para ver uma peça de teatro e ao museu onde está localizada a pintura de Velásquez. Jessie brinca com Maurice ao deixá-lo cheirar sua pele e o joga para longe quando ele ultrapassa as barreiras e a beija. Maurice brinca com sua Vênus ao levá-la para provar roupas apenas para vê-la se vestir, sem levar nenhum tostão para comprar qualquer coisa para a jovem.


A beleza do filme irrompe desses momentos, dessas brincadeiras, em que o personagem de O'Toole não é tratado com complacência, feito de coitado ou qualquer coisa do tipo, e nem a personagem de Jodie Whittaker é tida como aproveitadora, mesmo tirando vantagens do velhote em bons momentos da película.

Ao passo em que Jessie (Vênus) vai fugindo da vida de Maurice e o personagem perde seu poder de conquista (a operação da próstata e sua debilitação), o filme também deixa escapar sua vitalidade.


A atuação de Peter O'Toole, porém, se mantém intacta e jovial, rendendo próximo ao final um belo momento no qual Maurice faz as pazes com sua esposa (Vanessa Redgrave).

Maurice talvez tenha encontrado em Vênus forças para se conciliar com seu passado e com a esposa. Por isso talvez o personagem interessou-se pela jovem, mas são sugestões que em nenhum momento o filme responde, força a barra com lições de moral ou mensagens edificantes. Michell é inteligente o suficiente para mantê-la apenas nas entrelinhas.


“Vênus”, que transita por clichês para deles se extrair uma jovialidade, é no fundo um filme sobre tais conflitos e transitoriedades: do embate entre juventude e velhice, entre tombos e elevações, se cicatrizam antigas feridas.

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