Se o crítico de cinema é, como queria Jean-Luc Godard, nada mais do que um soldado que atira contra o próprio regimento, Jairo Ferreira foi um dos exímios atiradores de elite que serviram à crítica brasileira.
Com a palavra de ordem disseminando o tal jornalismo cultural, nada melhor do que retornar às raízes de uma crítica cinematográfica com a leitura dos textos de Jairo Ferreira.
O livro “Cinema de Invenção”, reeditado pela editora Limiar, é um misto de ensaio com poesia, recortes jornalísticos, trechos de entrevistas e anotações pessoais sobre o cinema e os cineastas que assolaram São Paulo no final dos anos 60, o cinema Boca de Lixo, marginal ou como Jairo denominaria: o cinema de invenção.
A época vivenciada e documentada pelo crítico foi um período no qual os cineastas se aprimoravam em seus ofícios na medida em que iam fazendo filmes e os críticos e cinéfilos se formavam quando viam os filmes e escreviam sobre eles. Não havia cursos ou universidades especializadas, mas existia o essencial: o cinema.
Cineastas e críticos entravam, como diria o próprio Jairo, em pura sintonia intergaláctica e por essa ligação que o livro se divide em capítulos dedicados aos cineastas como Rogério Sganzerla, José Mojica Marins (mais conhecido por seu personagem Zé do Caixão), Glauber Rocha e Júlio Bressane.
O próprio Jairo Ferreira se torna personagem do livro quando escreve sobre suas experiências na realização de curtas, médias e longas-metragens. Além de diretor de cinema, o autor colaborou como roteirista, fotógrafo de cena e compositor de trilha sonora em diversos filmes.
Pode-se julgar Jairo Ferreira de ser extremamente parcial em seus textos, de fazer a defesa de um ambiente cinematográfico que era também o seu habitat, de se apropriar sem delongas de citações alheias, mas nunca se pode julgá-lo por ser insosso como aquilo que pode ser lido atualmente nos veículos impressos.
Jairo Ferreira não fazia guia de consumo ou um jornalismo cultural daqueles que grita pela tão clamada imparcialidade, isenção, mas que, no fundo, se não defende algum tipo de interesse político ou financeiro, revela mesmo é um total despreparo intelectual na abordagem do cinema.
A escrita de Jairo Ferreira é como o cinema que ele tanto cultivou, uma atividade em franca extinção. O que não faltava ao autor, e que falta atualmente, era transparência e uma sagacidade comparável somente aos grandes mentores do crítico.
Herdou de Oswald de Andrade a rebeldia e gosto pela antropofagia, de Raul Seixas o fascínio pela magia das coisas do mundo, de Ezra Pound a sistematização, de Fuller a fúria, e por aí vai.
Jairo era capaz, sim, de fazer defesas viscerais dos cinemas de alguns amigos - amigos geniais como Sganzerla, por exemplo -, mas também de descer o sarrafo nos diluidores - um de seus inúmeros pseudônimos, quando escrevia para publicações marginais, era nada menos que Décio Sarrafo.
Ater-se a leitura do livro “Cinema de Invenção” é isso, abrir as portas para o mundo do cinema sob influência dos poemas de Oswald de Andrade, sistemas de análise de Ezra Pound, músicas de Noel Rosa ou Raul Seixas, enfim, abrir-se para que o cinema possa se manifestar e se disseminar por todos os poros possíveis.
“Cinema de Invenção” é dos livros mais importantes sobre o tema publicado no Brasil porque para um cinema de invenção foi necessária uma crítica à altura, e inventividade não faltou à escrita de Jairo Ferreira.
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