O grande segredo para a criação de um bom filme de gêneros como o suspense está na capacidade do realizador em extrair o horror da banalidade, do ordinário.
Nos primórdios do cinema sonoro, o cineasta Fritz Lang não fez o público pular das poltronas ao mostrar cirurgicamente as ações de um assassino de crianças no filme “M”, de 1931, pelo contrário, instalou o medo no espectador simplesmente ao colocar o ator Peter Lorre, que fazia o psicopata, para assobiar uma popular cantiga infantil.
Alfred Hitchcock acompanhou os ensinamentos do mestre alemão ao elaborar suas cenas de suspense partindo de cenários triviais ou objetos domésticos, como o hotel à beira da estrada em “Psicose” ou um assassinato praticado com o uso de uma faca de cozinha no filme “Sabotagem”.
David Fincher se especializou no gênero de suspense, fez filmes que tanto extrapolavam no horror ensangüentado (“Alien 3”) quanto investiu na reinvenção dos filmes de serial-killer (“Seven”) e brincou com o suspense mais psicológico (“O Quarto do Pânico”).
É um cineasta familiarizado com o gênero, mas que antes nunca havia se interessado pela lógica dos filmes de Fritz Lang ou Hitchcock.
Como o realizador alemão ou o inglês, Fincher sempre utilizou o horror de seus filmes para promover uma reflexão moral. O assassino de “Seven”, por exemplo, executava pessoas que cometiam um dos sete pecados capitais, enquanto o anti-herói feito por Brad Pitt no “Clube da Luta” criara um grupo terrorista com o intuito de demolir os pilares de uma sociedade contemporânea consumista, como os prédios de empresas de cartão de créditos.
Anteriormente, a moral do cineasta fora sempre refletida por uma estética masoquista, mórbida. O horror, para ele, estava intimamente conectado a uma sociedade igualmente podre. Podridão expressada no gosto exagerado por cenários que mais se pareciam com necrotérios - o apartamento do assassino de “Seven”, a prisão do terceiro episódio de “Alien”, a casa em ruínas do cara de “Clube da Luta”.
O estilo pesado do cineasta amadureceu, algo que já dava sinais com o filme “Vidas em Jogo”, quando filmou a podridão pelas frestas da decadente mansão do rico personagem de Michael Douglas. O horror ali não mais derivava tanto do mórbido, mas o mórbido, a irrealidade, que irrompia da normalidade.
“Zodíaco” é o melhor trabalho do cineasta até então, resultado desse amadurecimento estético-moral.
Como em “Seven”, o horror manifesta-se nos atos de um assassino em série, porém, não está no cerne da narrativa a descoberta de sua identidade ou motivações.
As dimensões do horror aqui são abstratas, na medida em que o sentimento se espalha e contamina os meios de comunicação de massa, utilizado pelo assassino para promover o jogo que propõe, o de caçar pessoas ordinárias, sem qualquer interesse específico por elas.
Tanto a mídia, que serve de arma para o psicopata, quanto a tranqüilidade do estilo de vida norte-americano, alvo do assassino, são questões que atraíam Fincher e ganham, aqui, em profundidade sensorial.
O suspense não mais está no mórbido, situado naqueles cenários grotescos filmados com uma iluminação morgue dos filmes antecedentes do realizador. O suspense está em “Zodíaco” como estava para Lang ou Hitchcock, corrompido num táxi estacionado em alguma esquina noturna ou presente em um piquenique romântico à beira de um lago ensolarado.
Fincher espalha o terror e o subdivide em tramas paralelas. Tem a história do policial (Mark Ruffalo), entediado com seu serviço igual ao ricaço de “Vidas em Jogo”.
Há também a do cartunista (Jake Gyllenhaal), que assim como o policial feito por Morgan Freeman em “Seven”, é obcecado por fazer arqueologia em cima dos crimes do assassino à partir de pesquisas em bibliotecas e em arquivos policiais.
O horror se espalha pela narrativa e também perverte cada extremidade e profundidade dos enquadramentos. A primeira cena de assassinato, por exemplo, é encenada em um estacionamento usado pelo casal de vítimas para namorar, mas ela é filmada de tal modo como se Fincher situasse-a em um matadouro.
Ao retirar pavor de uma paisagem amena como os arredores de São Francisco, David Fincher seguiu os desafios de grandes mestres e fez um belo filme no qual o horror foi interiorizado de uma maneira como se o diretor construísse uma extensão da cena de “Alien 3” onde a tenente Ripley descobre carregar um bebê alienígena em seu ventre.
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