segunda-feira, 30 de junho de 2008

OS MELHORES DO ANO DE 2007

PUBLICADO NA FOLHA DA REGIÃO NO DIA 30 DE DEZEMBRO DE 2007


Não foi um ano ruim para o cinema, mas também não foi um ano de grandes revelações. Os melhores filmes foram realizados por cineastas veteranos: Clint Eastwood mostrou, mais uma vez, porque é o último grande herói americano ao fazer os dois filmes sobre Iwo Jima e o francês Claude Chabrol manteve seu admirável ritmo de um filme por ano com “A Comédia do Poder”.

Foi também 2007 o ano da reafirmação de algumas promessas, como o cinema de James Gray, que deixou de ser o promissor realizador de “Caminho sem Volta” para firmar sua maturidade com “Os Donos da Noite”, e Sofia Coppola, que mostrou não ser somente a filha do diretor Francis Ford Coppola, mas uma artista com visão de mundo e cinema com sua versão para a vida de Maria Antonieta.

Neste ano, Abel Ferrara fez as pazes com o Brasil ao ter seu filme “Maria” exibido em nosso circuito comercial, enquanto o francês Alain Resnais provou que sua carreira não se resume aos “Hiroshima, meu Amor” e “O Ano Passado em Marienbad”.

Em uma lista de dez, os escolhidos foram:

1) Os Anjos Exterminadores


Noel Rosa disse certa vez ser a mulher o único sinônimo para o samba. Se a frase fosse atribuída a Jean-Claude Brisseau, realizador do filme, ele diria ser a mulher o único sinônimo possível para o cinema.

O que as mulheres escondem? O que esconde o cinema? São perguntas que o filme não se propõe a responder, pois o que interessa ao filme é mergulhar no abismo onde se enfiará o personagem central, o cineasta a fazer um filme sobre os desejos secretos das mulheres.

Nenhuma resposta, pois não há psicologismo que dê conta de tanta beleza que Brisseau impõe a cada cena. O cinema para Brisseau é como as portas pelas quais ele filma a nudez de suas atrizes: uma abertura a aprisionar o homem. O mistério da mulher e do cinema é o que justifica seu arrebatamento, é a graça de seu sensualismo.

2) A Conquista da Honra e Cartas de Iwo Jima


Clint Eastwood a fazer o serviço de arqueologia e antropologia em cima das histórias escondidas por trás da ilha japonesa de Iwo Jima em dois filmes. Um sob a ótica norte-americana, outro sob a ótica japonesa.

No “A Conquista da Honra”, partiu da impressão do mito e sua destruição - o cinema de John Ford e Samuel Fuller - para chegar ao cinema de Howard Hawks, em seu elogio à fraternidade masculina entre os soldados norte-americanos.

Em “Cartas de Iwo Jima” fez o movimento contrário. Procedeu em Hawks ao mostrar o nobre relacionamento entre os oficiais e recrutas japoneses e terminou na aspereza e iconoclastia de Fuller, quando passa a mostrar a tropa americana invadindo o forte japonês.

3) Maria


“Ver não com os olhos, mas com o coração” é o que diz um dos personagens do filme de Abel Ferrara, mas é uma frase que poderia ser atribuída ao próprio cineasta sobre o seu cinema, um cinema de vísceras, de uma passionalidade descomunal.

Em “Maria”, um cineasta lança seu filme sobre a ressurreição de Cristo, a atriz, que interpretara Maria Madalena, é seduzida por sua personagem e não consegue deixá-la enquanto um apresentador de um programa que discute teológica entra em crise após seu filho recém-nascido adoecer.

Essa tríplice narrativa, esse cinema de estilhaço, é o que conduz os homens e a mulher de Ferrara ao reencontro com a fé. Um filme para se ver com o coração, enfim.

4) Medos Privados em Lugares Públicos



Ao longo de sua carreira, Alain Resnais se especializou em filmes-labirintos: no início foram os labirintos da memória com “Hiroshima, meu Amor” ou “O ano passado em Marienbad”, e, recentemente, os labirintos de canções no musical “Amores Parisienses”.

Com seu último filme, o veterano francês investe em labirintos do coração, nas paixões dos personagens errantes que insistem em se distanciarem. Resnais se interessa aqui pelos descaminhos do coração, de amores afastados por um quarto dividido em dois, no início do filme, ou pela neve que se espalha na tela a cada transição das tramas que correm paralelamente. Labirintos que ainda nos fascinam.

5) A Comédia do Poder


Claude Chabrol mantém seu admirável ritmo com este filme. Substituiu elegantemente a perversa visão sobre a alta sociedade francesa de sua obra anterior, “A Dama de Honra”, para se debruçar em uma trama cheia de fraudes, corrupção na política. Enfim, deixou o privado para investigar o público.

6) Em Busca da Vida


O representante oriental da lista. Jia Zhang-Ke é dos maiores talentos surgidos na China. Influenciado pelo cinema de Michelangelo Antonioni, Jia vem refletindo sobre essa China do século XXI que abriu as portas para o capitalismo e a globalização acelerada. Jia ainda se firma como um dos realizadores a fazer bom uso do suporte digital, incorporando-o ao seu trabalho sem cair num experimentalismo estéril.

7) Planeta Terror


Este é o melhor exemplar fílmico de Robert Rodriguez, obra que dá amplitude ao sentido da palavra “política” no cinema. “Manifesto de um cinema inútil” poderia ser definido o filme, vide a obsessão de Rodriguez por elementos que para outros realizadores seriam considerados como mera futilidade: uma metralhadora no lugar da perna de uma mulher, um bandido que foge numa mini-moto, o cozinheiro mal-encarado obcecado pelo tempero perfeito para seu churrasco, etc.

Osama Bin-Laden e guerra nuclear são temas mencionados, mas que passam distante do interesse real do cineasta. “Planeta Terror” é político porque reafirma os valores caros ao cinema do texano, o valor do cinema classe B.

8) Zodíaco


David Fincher deixa de lado o “mundo bizarro” dos seus filmes anteriores e se enfia num ambiente sórdido encoberto pelo clima ameno da Califórnia e o espírito hippie da América setentista. O terror está corrompido por trás da normalidade nesta obra que herda os ensinamentos do suspense deixados por Alfred Hitchcock e Fritz Lang.

9) Possuídos


Um homem e uma mulher presos em uma casa pelo medo do ataque de insetos. Um filme trash? Um filme de conteúdo político evasivo? Certamente a falta de reviravoltas na história e o confinamento do filme no cenário único de um trailer à deriva no deserto afastaram muitos espectadores.

O cineasta William Friedkin não está aqui a fazer uma nova leitura do seu filme mais famoso “O Exorcista”, como muitos pensaram e o título brasileiro para “Bug” (inseto) sugeriu, mas sim preocupado em fazer sua câmera ser possuída pela neurose do casal de personagens. Um filme verdadeiramente perturbador.

10) Os Donos da Noite


James Gray faz um filme tradicional. Tradicional por pregar os valores familiares e também por cultuar um cinema de gênero policial anacrônico, na linha de “Operação França”, dirigido pelo 9º colocado, William Friedkin. Um cinema tradicionalista e personalíssimo, de um olhar muito específico sobre as coisas e pessoas.

3 comentários:

Diego Assunção disse...

Errata: Imperdoável mesmo foi esquecer do filme "Rocky Balboa" na lista, que bem poderia substituir o filme de Friedkin ou até mesmo o do chinês (quem mandou querer bancar o "antenado", não?)

No intuito de amenizar a cagada, Rocky será devidamente homenageado com uma foto no começo do post.

Moacy Cirne disse...

Oi, gosto de todos aqueles que vi, como o de Resnais, por exemplo. Mas não vi 4 deles, inclusive o seu primeiro lugar. Um abraço.

Diego Assunção disse...

Olá Moacy. Quando escrevi o texto, não tinha visto vários filmes que talvez figurassem nessa lista, como "Viagem para Darjeeling" ou "O Sobrevivente", por exemplo.

Hoje, não saberia dizer se o primeiro lugar se manteria no "pódio" ou se o décimo colocado assumiria a ponta...

Bem, eu adoro listas, mas tenho sérios problemas em fazê-las. Abraço.