O engraçado é que de tanto se procurar no filme um discurso de estimulo a prática da tortura, a glorificação da violência ou a falta de humanização dos traficantes (discursos que borbulham na imprensa sobre o filme), os ilustres pensadores desviaram o foco e se esqueceram de mirar os discursos para a própria obra.
Deve haver algum artigo escondido num cabeçalho de página das leis de incentivo do audiovisual brasileiro que obrigam todas as obras realizadas no Brasil a fazer do cinema um instrumento sociológico ou uma arte que prime por algum ponto de vista mais respeitável do que o de um policial truculento.
Se tal artigo foi escrito em alguma pedra, para sorte do espectador o cineasta José Padilha não leu ou, simplesmente, desobedeceu. “Tropa de Elite” não é uma monografia sobre o abismo social do país e muito menos um tratado humanista, é um árido filme de guerra.
Padilha não poderia ter optado por um estilo mais feliz do que a do filme “Os Doze Condenados”, feito por Robert Aldrich em 1967, para narrar os conflitos entre policia e traficantes que assolam os morros cariocas.
Dificilmente em um documentário ou num melodrama de denúncia essa espinhosa questão seria abordada de forma satisfatória, mas no subgênero de guerra a catarse que se provoca tem a capacidade de fazer o espectador compartilhar a adrenalina das investidas policiais no morro, o burlesco da atuação dos comandos policiais no trato da burocracia ou o terror da tortura aplicada pela policia até a retaliação do tráfico.
Padilha dá ao espectador o que este deveria esperar do cinema, que é o efeito moral e purificador da tragédia clássica conceituada por Aristóteles. O pensador grego também está presente na estruturação do filme em três atos bem delineados.
Seria então “Tropa de Elite” um filme reacionário, como muitos intelectuais andam reduzindo a obra? O recito de Padilha pode ser arcaico, mas ele é tão consciente disso quanto o capitão Nascimento (Wagner Moura), oficial do BOPE no filme, é em relação ao trabalho sujo que realiza na corporação policial - não por acaso o personagem deseja deixar a tropa.
Por essa autoconsciência é errado dizer que o filme glorifica o BOPE. Padilha, ao contrário, faz do batalhão especial simplesmente o ponto de mediação e fricção entre a classe média e o tráfico de drogas, a corporação policial e as instituições políticas.
O uniforme preto, em luto, usado pelo BOPE, o símbolo da caveira, o hino de guerra em forma de música, da banda Tihuana, que abre o filme e o fato de um dos personagens levar a vida dupla de universitário de Direito e aspirante policial são alguns dos elementos que reforçam a idéia de que o BOPE nada mais é, no filme, do que um antivírus danoso criado pela própria sociedade.
A figura de Wagner Moura, que inclusive narra didaticamente o que ocorre no filme, representa o ponto de apoio dessa gangorra, os olhos desencantados de Nascimento são os olhos de Padilha no filme.
Como Lee Marvin no filme “Os Doze Condenados”, Moura é o responsável por produzir aquele efeito aristotélico, moral e purificador, que acomete o espectador ao término da projeção.
A visão de José Padilha é cruel assim mesmo: não poupa os jovens de classe média que colaboram em ONGs e financiam o tráfico de drogas, nem os traficantes e muito menos os policiais, incluindo os do BOPE.
É uma visão apocalíptica comprometida em diagnosticar uma única verdade, a de que não existem anjos nas trincheiras.
“Tropa de Elite” não é uma obra-prima - o excesso de didatismo na narração e alguns diálogos meramente panfletários impedem distanciam a obra dessa classificação -, mas, ao menos, é um filme que reflete sobre certas questões não por um viés acadêmico, ou monográfico, e sim por uma chave estritamente cinematográfica.
2 comentários:
PS- Faltou ao texto uma continuação ou uma segunda crítica, porque faltou avaliá-lo enquanto “um árido filme de guerra”, muito aquém de “Os Doze Condenados”, muito prejudicado por uma obsessão em depositar em cada cena uma esquizofrênica busca por um realismo dos tremeliques de câmera, do vale-tudo de edição.
Busca por realismo que acabou justificando os intermináveis debates do diretor sobre a relevância do seu filme para a sociedade brasileira - debates, inclusive, que o próprio Padilha alimentava ao arriscar respostas de como a polícia poderia melhorar o seu trabalho, de como os políticos poderiam trabalhar questões como o tráfico de drogas, etc.
“Tropa de Elite” está muito aquém de “Os Doze Condenados”, muito aquém de ser um bom filme de guerra, assim como o competente Wagner Moura está à milhas de distancia do gênio de Lee Marvin.
Acho engraçado esses críticos de cinema que para justficarem o discutível tropa de elite extraem algum sentido místico daquela mixórdia direitista. Se há algum, o filme não foi valorizado por ele, e sim por que mostra um força paramilitar incorruptível que desce o cacete nos bandidos e por desancar uma parcela esteriotipada da esquerda universitária. Falta um pouco de honestidade intelectual do doutor josé padilha, que se estribucha em buscar argumentos retóricos para rechaçar o aspecto reacionário do filme, contrariando o patente.
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