terça-feira, 6 de maio de 2008

A VERDADE NO FALSO

PUBLICADO NA FOLHA DA REGIÃO NO DIA 07 DE OUTUBRO DE 2007


Contra o verdadeiro blefe que é “Os Infiltrados”, há “Viver e Morrer em Los Angeles”, filme que funciona como uma espécie de antídoto.

A grandeza do “contraveneno” dirigido por William Friedkin em 1985 é resultante da sabedoria desse cineasta (conhecido pelos sucessos de “O Exorcista” e “Operação França”) em trabalhar a idéia da falsificação - dos dólares, que é o mote do filme - através de todas as camadas possíveis.

O trabalho do realizador aqui é o de contaminar cada cena, cada passo dos atores, cada corte de câmera, com o mundo de duplos em que vivem os personagens do filme.


O enredo gira em torno, praticamente, da rotina de um agente federal (William Petersen) no encalço de um falsificador (Willem Dafoe) que matou seu parceiro, porém, a falsificação não se encontra isolada nessa trama das notas.

A falsificação está lá, no início, quando um homem-bomba se disfarça de garçom para invadir o prédio protegido pelos agentes do filme. Ela está também no pulo suicida do agente, pulo que logo se descobre tratar da prática do base-jump. Ou seja, um falso-pulo alimentado por uma trapaceira montagem cinematográfica.

A falsificação está, é claro, nas notas, estigmatizadas como arte, elevada a tal condição pelo artista plástico e psicopata, o vilão do filme.


A falsificação é justificada, contemplada e refletida em uma cena aparentemente sem propósito no filme, cena no qual o vilão assiste ao ensaio de teatro encenado por sua namorada.

O tema é presenciado nessa cena como se o filme olhasse a si mesmo no espelho: Dafoe contempla a apresentação de sua namorada, fantasiada e maquiada (logo, falsificada) como todos os outros integrantes do elenco. As coisas se desenrolam e não se sabe ao certo se o vilão olha para um homem ou uma mulher.


O tom homoerótico da cena é uma réplica anuviada de qualquer seqüência noturna do polêmico filme “Parceiros da Noite”, obra de Friedkin no qual Al Pacino viveu um policial que investiga um crime em meio a grupos homossexuais.

O ato de falsificar é expansivo, sai da trama para afetar também o enquadramento, exemplificado na cena em que a câmera filma dois personagens conversando através de uma divisória com janela que tem o formato similar ao cinemascope.

Como “Viver e Morrer em Los Angeles” foi filmado na proporção menos retangular, de 1.85:1, o enquadramento dessa cena se “falsifica” para outro formato, mais panorâmico, em torno dos 2.35:1, formato que caracteriza o cinemascope.


Em meio a tantas coisas falsas, há a personagem da informante da polícia, Debra Feuer, a única pessoa verdadeira do filme. É dela a constante reflexão: “as estrelas são os olhos de Deus”, frase aparentemente sem sentido que, no fundo, a coloca como os olhos do diretor em cena.


Verdadeiro também é o resultado obtido por William Friedkin. Em meio a falsificações e falsificadores, o cineasta fez um filme autêntico, incluindo ainda uma duradoura seqüência de perseguição de carros que muitos intuíram ser mera imitação da famosa perseguição policial contida em outro filme seu, “Operação França”.


Ao tirar a verdade do falso, o realizador faz como seus personagens na fuga dos vilões: mesmo andando na contramão, realiza um grande filme.

Um comentário:

Graziela Nunes disse...

Pensei em algo a quatro mãos, a 20 dedos...não sei bem sobre o algo ainda, mas pensei: rispidez e morfina, cada qual com sua porção...até!