quinta-feira, 3 de abril de 2008

NO CINEMA, DUAS MANEIRAS DE AMAR

PUBLICADO NA FOLHA DA REGIÃO NO DIA 29 DE JULHO DE 2007


Uma workaholic decide tirar férias após descobrir que seu namorado à traíra. Para esquecer o rapaz, conta com a ajuda de uma amiga que lhe empresta sua casa campestre e também, involuntariamente, o seu irmão, que a faz esquecer o antigo amor.

A sinopse é a premissa do novo filme da diretora Nancy Meyers, responsável por “Do que as Mulheres Gostam” e “Alguém tem que Ceder”, e também o fiapo de enredo que geralmente conduz o espectador a uma série de qüiproquós nos filmes do cineasta francês Eric Rohmer.

Os encontros e desencontros amorosos permeiam “O Amor não tira Férias” e a série “Contos das Quatro Estações”, filme e cine-série dos respectivos realizadores que acabaram de ser lançados em vídeo.


No filme de Meyers, Kate Winslet é uma articulista inglesa apaixonada por um homem comprometido com outra mulher. Cameron Diaz é a norte-americana que trabalha fazendo trailers de cinema e é traída por seu namorado, um compositor de trilhas sonoras. As duas resolvem intercambiar suas casas a fim de curtir umas férias.

A lógica de “O Amor não tira Férias” não é muito diferente da que move o filme “Do que as Mulheres Gostam”. Ao invés de um homem ter a experiência de ser uma mulher (como acontecia no filme com o Mel Gibson), uma inglesa tem a oportunidade de viver como uma norte-americana e a norte-americana como uma inglesa.

Essa situação possibilita à cineasta desenrolar os momentos cômicos (a cena em que Cameron Diaz se atrapalha ao tentar dirigir um carro do modelo inglês) e também forjar os romances desenvolvidos para cicatrizar aqueles fracassados do início do filme.


Kate Winslet, por exemplo, se redescobre ao rever antigas comédias românticas americanas indicadas por seu vizinho, um veterano roteirista (Eli Wallach), enquanto Cameron Diaz, dinâmica garota do cinema hollywoodiano, se apaixona por um editor de livros (Jude Law).

A melhor crítica que poderia ser escrita para “O Amor não tira Férias” está contida num diálogo do próprio filme. Quando Kate Winslet conta sua história de amor fracassado para Wallach e ele fala pra ela como a vê, com base em seus conhecimentos na criação de personagens, Winslet diz que em anos de análise nunca tinha conseguido se entender tão bem como através das palavras do roteirista.

O cinema para Nancy Meyers, nas palavras de sua personagem, é como uma sessão de terapia psicológica intensiva, que resolve todos os problemas do paciente em pouco mais de duas horas, no tempo de sua duração. “O Amor não Tira Férias” é, então, um belo exemplo de “filme motivacional”, obra feita para aqueles que não se dão bem na questão amorosa.


A primavera é a primeira estação da “série rohmeriana”. Em “Conto de Primavera” floresce a amizade entre uma madura professora de filosofia e uma jovem estudante e, também, brota a paixão da professora pelo pai da jovem. Já no segundo episódio, “Conto de Inverno”, uma mulher congela dois relacionamentos na espera de um terceiro, que a incendiou em um verão distante e lhe deu uma filha.

Em “Conto de Verão”, um jovem rapaz passa as férias em uma praia à espera de sua namorada e de inspiração musical, mas acaba por se envolver num quadrado amoroso, envolvendo ainda uma estudante de etnologia, que trabalha numa creperia, e uma outra, conhecida em uma festa.


A série se encerra com o outono, período em que uma quarentona traça um plano para arrumar um namorado para sua amiga, também uma mulher outonal, dona de uma vinícola. Ao mesmo tempo, sua nora tenta lhe arrumar um caso, com um professor pelo qual a jovem ainda mantém acesa a paixão.

Distante do cinema “auto-ajuda” de Meyers, a arte de Eric Rohmer é intensa. Como a vida rotineira levada pelos seus personagens, os filmes de Rohmer discretamente revelam novos caminhos por trás de tramas que parecem cópias uma das outras.

Um simples olhar, um olhar desencantado da mulher que arruma um namorado para sua amiga vinicultora, ao final de “Conto de Outono”, por exemplo, faz desmoronar tudo o que se estabeleceu anteriormente no episódio.


O plano foi concretizado, como previamente estipulado na trama, mas a inesperada infelicidade que acompanha o gesto final da mulher faz com que o público compartilhe a ambigüidade que acompanhou suas ações desde o início.

Rohmer ainda é pródigo em colocar seus filmes sempre à altura do espectador, pois nunca trata suas paisagens, seus cenários ou personagens como paisagens, cenários ou personagens.

Ele não filma praias, ruas ou pessoas como Nancy Meyers filma a Inglaterra ou Los Angeles. As paisagens de Rohmer não se assemelham aos cartões-postais que se vê em “O Amor não tira Férias”, elas se parecem com as que conhecemos, os apartamentos dos personagens são como os espaços que habitamos.


Ao utilizar as particularidades de cada estação para manifestar os sentimentos de seus personagens, Eric Rohmer está a defender o cinema que acredita ser o puro, aquele em que a beleza segundo a arte e a beleza segundo a natureza constituem uma só.

Existem formas variadas de manifestação amorosa no cinema. Ao modo de Rohmer, o amor está sempre imerso em dilemas, crises, medos, podendo ser maduro como o outono, incendiário como o verão, expectante como o inverno e iluminado como a primavera.

Ao modo de Nancy Meyers, o amor pode ser um truque de roteiro, como também um sentimento revanchista que move figuras tão amaldiçoadas no amor quanto a Kate Winslet e a Cameron Diaz do filme “O Amor não Tira Férias”.

De um lado, um sentimento ainda misterioso, romântico e muitas vezes até cruel de um cinema que faz com que as coisas cantem por si mesmas. Do outro, o amor terapêutico de um cinema que aspira “cantar as coisas” - não à toa dois dos personagens do filme trabalham com música e muitos são os momentos em que os personagens externam sensações através de cantorias.

São duas maneiras de amar dentre tantas outras manifestadas no cinema, amores que podem ser descobertos nas prateleiras de alguma vídeo-locadora.

2 comentários:

Anderson Augusto Soares disse...

São muitas as mameiras de amar, e como diria a canção "qualquer maneira de amor vale a pena"...

Agora, meu caro Diego. Li a tua lista de filmes prediletos. Alguns filmes eu conheço, outros não. Se eu fizesse uma lista, três não faltariam: "Um Tiro do Escuro" (da série de filmes Pantera Cor de Rosa), "Ensina-me a Viver" e "Um Jovem Sedutor". Os dois últimos tem uma mesma temática, o possível amor entre pessoas de idades bem diferentes. Não sou especialista, mas de tudo o que já assisti (e é bem pouco comparado ao que você já assistiu) achei esses três filmes acima da média.
Mais uma vez, obrigado pela edição do Animatic. Sou o Anderson... do Caderno do Anderson. Abraços.

Diego Assunção disse...

Olá Anderson. Aqui não tem especialista algum também. Só para constar, eu não vi dois dos seus três filmes preferidos - só o "Um Tiro no Escuro”, que se não é dos preferidos, foi dirigido por um diretor que gosto muito: Blake Edwards.