domingo, 27 de abril de 2008

O CINEMA DE VALERIO ZURLINI

PUBLICADO NA FOLHA DA REGIÃO NO DIA 16 DE SETEMBRO DE 2007


Valerio Zurlini surgiu para o cinema italiano no mesmo período que vários medalhões do cinema moderno. Iniciou carreira fazendo pequenos documentários, como Roberto Rossellini, mas diferente do realizador de "Viagem à Itália" ou do companheiro geracional Michelangelo Antonioni, com quem costuma ser comparado devido ao interesse de ambos por dilemas humanos, Zurlini nunca fez filmes que pretendessem revolucionar a linguagem do cinema.

Como muitos diretores que preferiram depurar um estilo a inventar a roda, Valerio Zurlini pagou um preço alto por isso: quando não diminuído perante tantos italianos geniais, seu trabalho foi ofuscado e até esquecido. Mas, como diria o cineasta norte-americano Peter Bogdanovich, não há nada melhor para se provar as qualidades de um filme do que a passagem do tempo.

O decorrer dos anos fez bem aos filmes de Zurlini, obra que agora pode ser redescoberta com o lançamento de três filmes do cineasta em DVD.



"Verão Violento", de 1959, "A Moça com a Valise", de 1961, e "A Primeira Noite de Tranqüilidade", de 1972, são filmes que têm como ponto de partida histórias sobre amor impossível entre adolescentes (o paquerador Jean-Louis Trintignant, o tímido Jacques Perrin e a sedutora estudante Sonia Petrova, respectivamente) e adultos (a viúva Eleonora Rossi Drago, a cantora de cabaré Claudia Cardinale e o professor de literatura Alain Delon).

Tramas tão arriscadas quanto batidas, atualmente sucatadas em núcleos de novelas. Mas Zurlini nunca optou pela polêmica do tema ou investiu em "tabus", as histórias de amor sobre casais formados por jovens e senhoras, ou senhores, simplesmente serviam de princípio para o cineasta extrair uma grandeza, digna das tragédias gregas, de um gênero subestimado como o melodrama, caracterizado por dramas ordinários e novelescos.

Cenas como a de "Verão Violento" em que Eleonora Rossi Drago vai ao circo acompanhando o grupo dos jovens amigos de Trintignant, por quem está interessada, ou a que Jacques Perrin toma seu primeiro porre alcoólico e amoroso ao observar Cardinale dançar com um maduro homem de negócios, em “A Moça com a Valise”, são ocasiões aparentemente embaraçosas das quais Zurlini retira uma nobreza, honestidade no tratado.


Momentos que também servem para reforçar as diferenças entre Antonioni e ele. Enquanto o primeiro externava os conflitos existenciais dos seus personagens através de cada paisagem habitada por eles, fazendo-as expressar os sentimentos humanos, Zurlini preferia o movimento contrário: em seus filmes, qualquer pressão externa (climática, social, moral) seria capaz de afetar seus homens ao ponto de sufocá-los, destruí-los.

A pressão está nas convenções sociais e no calor do verão e da Segunda Guerra Mundial que assombram os jovens alheios que vivem na praia em "Verão Violento", mas também está presente no discurso moralista do padre que convence a pobre e mais velha Cardinale a desistir do jovem rico Perrin no “A Moça com a Valise”. A coerção ganha forma no intenso inverno de Rimini, além de fundir-se com todas as outras formas repressivas citadas acima, no "A Primeira Noite de Tranqüilidade".

Mas a pressão certamente não está representada somente nas tramas, o próprio rigor nos enquadramentos e encenação se encarrega de tornar cada centímetro de distância entre os amantes em uma lonjura sem fim. Se a mulher está no primeiro plano, certamente o homem completará o quadro bem ao fundo do segundo.


O cineasta seguia a risca o provérbio que diz "a felicidade não tem história" e fazia dessa melancolia uma obsessão estética. Como profundo conhecedor das artes, Zurlini acreditava no provérbio e também na capacidade das artes em historiografar tal tristeza. Por esses dois atributos, a languidez não era só um tema.

Ela era explanada dignamente na imagem: a câmera mantida, por cerca de um minuto, no rosto de Jacques Perrin, enquanto ele observa Cardinale dançar com outro homem, ou a troca de olhares e luzes, a dor e o êxtase, entre Sonia Petrova e Delon na cena da boate em "A Primeira Noite de Tranqüilidade", quase uma repetição em cores do filme de 61.

E a tristeza tinha também reconhecida pelos personagens sua representatividade nas artes e, assim, os ajudavam a viver: Jacques Perrin colocando a música Aida, de Verdi, para tocar enquanto a Aida de Cardinale desce, ao encontro do jovem, as escadarias da mansão; Alain Delon emprestando o livro "Vanina Vanini", de Stendhal, para a Vanina de Sonia Petrova.


Zurlini caminhou em linha reta. De “Verão Violento”, seu segundo filme, a “A Primeira Noite de Tranqüilidade”, o penúltimo, - filmes separados por mais de uma década - histórias, personagens e cenas parecem reprisadas, retornam como assombrações em meio a citações feitas por movimentos de câmera ou através de diálogos.

No final das contas, seu penúltimo trabalho tornou-se um belo exemplo daquela obra referencial que Zurlini tanto procurou para fazer existir seus personagens.

Alain Delon carrega em seu rosto o sofrimento e a plena consciência da impossibilidade de ser feliz, noção que não acompanhou o jovem Trintignant nem o tímido Perrin nos filmes anteriores, seu professor é a versão envelhecida, o reverso, daqueles jovens que um dia amaram mulheres mais velhas.


Mesmo sabendo que não teria sucesso, Delon arriscou. Mesmo sabendo que o colorido da película não seria muito diferente dos contrastes e desolação do preto e branco dos seus primeiros filmes, Valerio Zurlini insistiu em mais uma história de amor impossível, persistiu porque, no fundo, a melancolia era a razão de existir o seu cinema.

Um comentário:

diniz .a gonçalves junior disse...

um cineasta fundamental , as cenas na praia ao som de Tintarella de luna são belas