quinta-feira, 6 de março de 2008

A COMÉDIA ATUAL E SEU HUMOR ALMOFADINHA

PUBLICADO NA FOLHA DA REGIÃO NO DIA 04 DE FEVEREIRO DE 2007


Quais foram as grandes películas de humor realizadas nos últimos anos? Os filmes de Ben Stiller, como “Entrando numa Fria”, ou os filmes da turma de Will Ferrell e Vince Vaughn, como o “Penetras Bons de Bico”?

Esses filmes talvez sirvam de remédios (calmantes?) para ajudar um indivíduo em deprimentes finais de semanas, mas nem de longe tais filmes seguem a rica tradição do gênero na história do cinema norte-americano: não funcionam enquanto uma crítica mordaz às convenções sociais (como eram as comédias de Charles Chaplin), não servem como o mais puro gesto anárquico/libertário (como eram as comédias dos irmãos Marx) e menos ainda parecem progressistas, revolucionárias em suas formas (como eram os filmes de Jerry Lewis).


Ao final dos anos 70 eram comuns as importações de comediantes de TV para as telas de cinema. Iniciou-se ali uma nova etapa na comédia cinematográfica, uma arte menos pretensa a vôos revolucionários do que a arte de uma confecção apurada do humor, o artesanato.

Estrelas de programas televisivos como o Saturday Night Live - John Belushi, John Candy, Richard Pryor, Chevy Chase, Eddie Murphy, entre outros – integraram elencos e serviam de combustível refinado para as mais diversas, e muitas vezes despretensiosas, comédias do período. E fizeram escola. Ben Stiller, Will Ferrell e Steve Carell são alguns exemplos de novos comediantes televisivos que seguiram a “velha geração”, alçando também fama no cinema.


O que diferencia a “velha geração” da “nova” é uma distorção das funções básicas de um ator dentro de um filme. Enquanto o Chevy Chase em um filme dos anos 80 servia como um instrumento para se atingir um fim (o humor), em uma comédia como “Penetras Bons de Bico” há o processo inverso: uma necessidade irritante de tornar o filme um instrumento para que a performance do ator se sobressaia.


Como já não há mais gênios como Jerry Lewis - que como ator submetia o diretor (geralmente ele próprio) ao seu ritmo virtuoso, empreendendo uma verdadeira busca ao humor em seu estado puro - essa distorção faz com que aquele personagem deslocado (o vagabundo, o aloprado, o otário), comum do gênero cômico, se acovarde. O personagem se acovarda porque o ator precisa zelar por uma imagem límpida, ele não pode ser ofuscado pelo desequilíbrio que seu personagem possa vir a ter, pois o filme importa menos do que sua presença nele.


O acovardamento se evidencia em tramas como a do filme “O Virgem de 40 anos”. Um completo idiota de meia idade, que gasta o tempo de sua vida em programas de “índios” dos mais mórbidos que possam existir, deseja perder a virgindade. Certo, é necessário perder a virgindade, mas isso, nem de longe, faz com que o mais completo idiota se transforme em um cara legal ao final de um filme.


Mas é exatamente isso que acontece e é essa a tendência da nova comédia norte-americana. Negociar negligentemente uma conciliação impossível, é esse o pacto feito pelas novas comédias norte-americanas, que só encontra resistência nos filmes dos irmãos Peter e Bob Farrelly, cineastas de “Debi e Lóide” e “O Amor em Jogo”.


Os almofadinhas de “Penetras Bons de Bico” são capazes de fazer concessões, de conciliar uma rotina de badernas masculinas com suas namoradinhas, mas o idiota mor viciado em beisebol de “O Amor em Jogo” leva suas questões ao esgotamento: só concilia o beisebol com seu namoro após entrar em uma árdua batalha, mostrando a sua namorada que seria capaz de deixá-la pelo amor ao esporte.


A autenticidade que falta nos filmes dessa nova safra, sobra nas comédias dos irmãos Farrelly. O humor da patota formada por Ben Stiller, Will Ferrell e Vince Vaughn (chamada de “frat pack”) é indolor, asséptico, egocêntrico e covarde, tem todas as características que uma boa comédia costuma evitar (talvez as comédias infantis com animais sejam as exceções).


Já o humor dos Farrelly é extremamente provocativo e acalorado. Em um filme como “Debi e Lóide”, por exemplo, eles conseguem equilibrar os maneirismos de Jim Carrey com a candura do Jeff Daniels, coloca-los em pé de igualdade em prol dos objetivos de um filme.

Os Farrelly ainda conseguiram reunir, em uma curta filmografia, as qualidades que definiram o gênero ao longo de sua história: eles não só construíram cuidadosas investigações sócio-culturais sobre os EUA (a crítica ao culto à estética da magreza em “O Amor é Cego”, o retrato pouco bonito do “american way of life” em “Quem vai Ficar com Mary?”) como foram os únicos que se propuseram a repensar formas de potencializar o humor por piadas visuais (“Ligado em Você” é o melhor exemplo).

A triste ironia é que atualmente os Farrelly, a cada novo projeto, vão perdendo força frente aos filmes do “frat pack”. Sinais de novos tempos, tempos em que uma vídeo-locadora a cada dia se esforça mais para parecer com drogaria e os filmes se esforçam para servirem de remédios (com possibilidades remotas de efeitos colaterais) para duas horas do mais puro tédio.

2 comentários:

Anônimo disse...

gostei do post, mas tenho algumas considerações:
- falar que a atual geração de comediantes americanos é ruim apenas por um processo de degeneração histórica é cair em uma generalização atraente. Alguns filmes se salvam, como zoolander e aquela fita sobre patinação no gelo do will ferrel, que são no mínimo bem criativas;
- Uma característica que se perdeu na comédia atual talvez seja uma espécie de empatia que os filmes tinham por seus personagens desajustados, coisa que infelizmente tem se perdido com a obsessão atual de se enquadrar em padrões cada vez mais irreais. Nesse sentido os irmãos ferrely parecem ser um dos poucos a manter essa essência em seus filmes, mesmo tentando puxar os limites de um humor escatológico e politicamente incorreto.

Diego Assunção disse...

Eu não vi nem Zoolander nem o do Ferrel (bem, além dos patins tem aquele panaca do Jon Heder que me fez fugir do filme).

Acho que outro filme exemplar dessa tendência "almofadinha" é aquele Escola de Idiotas: é o ponto em que o desajustado tem que ir para uma escola para aprender a não mais ser desajustado.

Com os irmãos Farrelly, até nesse último filme que parece mais uma coletânea de esquetes de seus filmes anteriores ("The Heartbreak Kid"), isso já não ocorre. Eles levam a comédia muito a sério, seguem essa tradição que valoriza o desajustado. Os Farrellys estão com seus personagens, nunca acima deles, isso é importante.