Os filmes do mexicano Alejandro González-Iñárritu são como aqueles livros açucarados vendidos em bancas de jornal ou como as novelas de Manoel Carlos: se você viu um, você viu todos. Alguns podem alegar que o realizador é um autor, por isso seus filmes mantêm a mesma estrutura de mosaico que se entrelaçam, a inflação dramática de momentos triviais da vida e o fetichismo pela degradação humana.
São características fortes e presentes desde o seu primeiro longa-metragem, o superestimado “Amores Brutos”, e que sufocam esse seu último trabalho, o globalizado “Babel”.
Um ônibus de turistas passa por uma região montanhosa do Marrocos. Nas montanhas, crianças marroquinas testam um rifle comprado para matar chacais. Uma americana que estava no ônibus é atingida por um tiro. Dessa “coincidência” nascem outras histórias ao redor do mundo, que vão se entrelaçando através de tantas outras “coincidências” proclamadas pelo roteiro do filme.
Qual a relação que há entre uma japonesinha surda-muda que não consegue perder a virgindade com as dificuldades de uma empregada latina em atravessar a fronteira entre EUA e México para ir ao casamento de seu filho? Essas pessoas não só estão conectadas por serem pessoas comuns vivendo os dramas ordinários da vida como são obrigadas a estarem envolvidas, de alguma forma, ao acidente no Marrocos.
Já viram esse filme? Em “Amores Brutos”, de 2000, um acidente automobilístico promovia o encontro de três narrativas distintas como também desencadeava mudanças na vida dos personagens envolvidos. “21 Gramas”, de 2003, foi uma espécie de refilmagem do anterior, em que novamente um acidente envolvendo três pessoas serviu de ponto de partida para González-Iñárritu.
Será o cineasta mexicano realmente um autor? Enganador talvez seja a definição mais apropriada. González-Iñárritu não tem um estilo, tem cacoetes. Não tem temas que lhe interesse, tem discursos. É por aí que se distinguem os gênios dos tolos, os homens das crianças.
O cineasta, que se propõe a filmar uma Babel - a cacofonia de vozes e idiomas, a desordem e a simultaneidade de dramas, os ruídos que resultam dessas ligações, enfim, a complexidade do mundo -, consegue aqui apenas privilegiar as viradas do roteiro em detrimento a um entrecruzamento primordialmente cinematográfico para dar ordem ao caos.
É muito fácil deslocar a narrativa de Marrocos para o México e forjar uma correlação dramática entre pólos tão extremos utilizando um corte que leva o espectador de um deserto para outro. É muito fácil deslocar de um desses lugares, para contrastar e/ou aproximá-lo do Japão, utilizando os prédios permeados de publicidade eletrônica que existem nas grandes cidades do país.
Dar ordem ao caos é um dos dilemas cinematográficos, um desafio colocado aos cineastas interessados em investigar qualquer tema. Mas dar ordem ao caos está longe de significar padronizar didática e simploriamente as diferenças culturais das etnias envolvidas no projeto - coisa que o cineasta faz em “Babel” ao transitar pelas várias estórias utilizando uma única trilha sonora ou quando intensifica numa mesma escala as choradeiras e os dramalhões dos personagens.
Dar ordem ao caos é organizar o espaço cênico, os movimentos da câmera dentro desse espaço e trabalhar as modulações do tempo com o intuito de preservar ao espectador a experiência caótica vivida pelos personagens. Dar ordem ao caos não é transformar palatável uma obra, é simplesmente fazer o caos se manifestar e ser assimilado pelo público.
O que fica dos filmes de González-Iñárritu é a eterna sensação de estar à frente de meros rascunhos ou recortes mal trabalhados da vida como ela é, ora emulando o “realismo” à lá Manoel Carlos ora o “escapismo” dos livros de banca de revistas. Resultado ínfimo para uma arte que em algum dia do ano de 1985 vislumbrou a seqüência final do filme “O Ano do Dragão”.
“O Ano do Dragão”, de Michael Cimino, terminava com a imagem congelada do intolerante policial polaco sorrindo abraçado a uma chinesa e cercado por negros, italianos e chineses. Isso após invadir um funeral chinês para prender todos os moradores.
Nessa seqüência, orquestrada pela sinfonia “Resurrection”, de Gustav Mahler, o cineasta celebrava um instante de utopia, de ressurreição, na qual todas as etnias foram colocadas no mesmo quadro para contemplar uns segundos de trégua, ou seja, o abraço e beijo entre dois “inimigos” - o policial preconceituoso e a mulher por qual ele se apaixonara, a repórter chinesa.
A utopia ciminiana torna qualquer esforço de acumular e acavalar histórias e o inchaço de dramas proposto por González-Iñárritu em mera perfumaria. Com o plano final do filme de Cimino é possível separar os homens das crianças, os gênios dos tolos. O cineasta de “Babel” se enquadra no segundo time.
4 comentários:
Babel não é tudo isso. Mas Amores Brutos e 21 Gramas são dois belos filmes.
E de onde vem essa mania atual de supervalorizar os diretores dos anos 70?? Vejo uma onda em torn do William Friedkin. O que é que todos vêem em "Operação França"?? E esse último filme dele, "Possuídos"?? A crítica teve que fazer mil interpretações pra conseguir ver alguma virtude.
Agora é com o Michael Cimino. O sujeito acabou com a United Artist, naquele insuportável "O Portal do Paraíso", e depois fez esse "O Ano do Dragão", do qual ninguém mais se lembra. Pra piorar, cometeu aquela refilmagem de "Horas de Desepero", pelo qual deveria ser proibido de filmar eternamente.
Se é pra falar mal do "estilo" Iñarritu de filmar, veja o fraco "Coisas que Perdemos pelo Caminho", da Susanne Bier. Uma cópia descarada - e mal feita - de 21 Gramas. Até o Benicio del Toro a diretora fez questão de usar.
Régis, acho que não é preciso sair do "jardim" do cinema de Iñarritu para ver uma cópia descarada dele. De todos os filmes dele, qualquer um é cópia de qualquer outro.
Sobre essa "supervalorização dos diretores dos anos 70", eu estou por fora dessa moda. Acho apenas que o bom cinema deve ser valorizado. Isso vale pro Cimino, isso vale pro Friedkin.
O que todos vêem em "Operação França"? Eu, pelo menos, vejo um grande filme policial, daqueles que consegue transportar o espectador para o ambiente sujo das ruas sem empurrar goela abaixo um "realismo chinfrim de temas", que é o que tão bem faz o mexicano.
E sobre Cimino? "O Portal do Paraíso" pode ter sido um fracasso comercial, mas para ver um grande filme ali basta se ater às imagens - é o que fiz hoje, revendo-o.
Concordo que "Babel" seja "mais do mesmo" - nada que tantos outros cineastas (incluindo o próprio Iñarritu) já tenham feito. Bastar assistir Robert Altman ("Short Cuts"), basta assitir até mesmo "Dolls", "Três Estações" (só para citar filmes um pouco mais recentes)para ver que não há nada de novo no front.
Agora, convenhamos, Cimino é bom mesmo. É só pensar em "O Franco Atirador" e já basta. Mas se isso ainda diz pouco, em "O Último Golpe" já começa bem, em "O Ano do Dragão" também brilha e por que não no próprio "O Portal do Paraíso"? Se este último foi um fracasso comercial não estou convencido de que foi por falta de qualidade.
Márcio, eu também não vejo problemas em cineastas que não ficam inventando a roda a cada momento, o ruim é quando transformam o estilo numa mera cartilha (acho que esse é o caso do Iñarritu).
Postar um comentário