segunda-feira, 10 de março de 2008

ROCKY BALBOA

PUBLICADO NA FOLHA DA REGIÃO NO DIA 25 DE MARÇO DE 2007


Sylvester Stallone era um ninguém quando roteirizou e interpretou o papel do pugilista ítalo-americano no filme “Rocky - Um Lutador” em 1976. O filme contava a história de um pugilista que atuava nas horas vagas como capanga de um agiota, ou seja, era sobre um Zé Ninguém chamado Rocky Balboa que tinha a chance de se transformar em alguém ao ser desafiado pelo campeão Apollo Creed. A trajetória desse personagem perdedor, que vence algumas batalhas da vida, era também a trajetória do seu intérprete, Sylvester Stallone.


Rocky ali perdia sua primeira grande luta, mas saiu vencedor. Agüentou todos os rounds quando achavam que cairia no terceiro. Nos filmes seqüenciais, assim como acontecera ao personagem Rambo (outro herói interpretado por Stallone), Rocky deixou de lutar por sua existência para se tornar uma espécie de justiceiro da nação: se em “Rambo II” o personagem entrara numa cruzada para vingar a derrota norte-americana no Vietnã, o pugilista de Filadélfia também deixara de lutar para se livrar de demônios interiores e se transformou, por exemplo, no “exterminador” da política socialista soviética no “Rocky IV”.


Trinta anos separa “Rocky - Um Lutador” de “Rocky Balboa” e muitas coisas mudaram nesse tempo. Stallone deixou de ser o herói dos filmes de ação para se transformar em mais um velhote que a indústria hollywoodiana adora ignorar. Seu personagem Rocky não ficou atrás, deu lugar à adoração popular aos filmes repletos de efeitos visuais - não é por acaso que o que leva Rocky de volta aos ringues nesse novo filme é uma luta simulada por computadores entre Rocky e o atual campeão.

“Rocky Balboa” é o retorno de Stallone ao essencial do personagem. O Rocky desse filme não é aquele “herói de guerra”, é sim aquele cara desengonçado e desacreditado por todos que conquistou Adrian no primeiro filme. É aquele Rocky trinta anos mais velho, que não consegue esquecer o passado e já não vê grandes esperanças para o futuro.


“Rocky Balboa” não é um bom filme, assim como o personagem também não é um homem perfeito. Rocky é um filme irregular e cheio de inflexões formais, mas assim também é o personagem. Rocky é um homem que se divide entre os gestos mais brutos e previsíveis, característicos de um troglodita, e o olhar desnorteante de um homem desencantado.


O preto e branco se reveza com o colorido sem nenhuma funcionalidade narrativa ou emocional e a estética televisiva - nas cenas de luta - se mistura desajeitadamente à limpidez de uma dramaturgia cinematográfica clássica - nas cenas antecedentes em que Rocky vive a perambular por ruínas que um dia foram os lugares onde construiu sua trajetória de sucesso.

O personagem Rocky é tão inconstante quanto o filme: mescla um humor infantil com melancolia de um homem que sabe que a seu ciclo está se encerrando, conseguindo transitar facilmente na tênue linha que separa o realismo das filosofias de rua e a inocência de diálogos que poderiam ter resultados vergonhosos se proferidos por outros atores (“Somos o casal perfeito. Eu sou idiota e você é tímida”, era um dos diálogos do primeiro filme).


O que fascina nesse “Rocky Balboa” são alguns gestos singelos imprimidos em poucos planos ao longo da projeção. São imagens carregadas de poesia cinematográfica e que ofuscam o emaranhado de clichês do filme: Rocky pendurando uma cadeira nos galhos de uma árvore no cemitério onde jaz sua amada Adrian (gesto que denota as freqüentes visitas que Rocky faz a sua falecida esposa e o amor que ele mantém aceso por ela); a imagem fantasmagórica do pugilista filmado em contraluz na cena em que visita os lugares que freqüentava no passado; a imagem congelada de Rocky com o braço levantado ao final da luta, quando dá a mão para alguém (Adrian?) com uma luz radiante incidindo sobre o plano.


Com todas suas imperfeições o filme é uma espécie de filho pobre de John Ford, ao captar os pequenos gestos das pessoas - o carinho paternal de Rocky por Marie, mulher que ele reencontra após trinta anos - e ao potencializar a carga emocional das texturas dos edifícios, ruelas e céu de Filadélfia. Filho pobre do cinema de John Ford e irmão distante de “Cowboys do Espaço” (2000, de Clint Eastwood), outro filme de um dos últimos “mavericks” do cinema norte-americano a abordar as dificuldades do envelhecimento de heróis do passado.


“Rocky Balboa” é um filme demasiadamente humano e crepuscular, feito em uma era em que filmar o homem não interessa tanto quanto os efeitos produzidos digitalmente. Que outros heróis do passado envelheçam com a amargura consciente de quem errou muito ao longo de sua carreira - nem todas as lutas/filmes que Rocky/Stallone lutou foram boas escolhas -, porém que outros venham a envelhecer com a mesma dignidade do velho “Italian Stallion” (Garanhão Italiano), que, impulsionado pela canção “Gonna Fly Now”, reservou um último fôlego para subir as escadarias do Museu da Filadélfia.

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