sábado, 1 de março de 2008

O INIMIGO Nº. 1 DA TV?

PUBLICADO NA FOLHA DA REGIÃO NO DIA 17 DE DEZEMBRO DE 2006


Um jornalista renomado entra no estúdio, um tanto cambaleante, parecendo embriagado, para a apresentação de seu programa que vai ao ar ao vivo. Em outro caso, uma jornalista, após falar o que não devia durante um programa, é retrucada pela pessoa que acusava e, sem argumentos, é praticamente humilhada. Outro caso: em um programa de auditório, o apresentador autoriza uma menina a fazer uma piada, ao término dela, é surpreendido por uma resposta “mal-educada” da jovem.

As três descrições são exemplos de momentos embaraçosos transmitidos pela mídia televisiva em períodos distintos. O que eles têm em comum é o fato de terem sido hospedados no Youtube, site que, além de possibilitar a divulgação de vídeos caseiros feitos por webcam, serve de espaço para o arquivamento dos mais variados vídeos que um dia foram exibidos na televisão. Com o arquivamento (e a possibilidade desses momentos serem revisitados a qualquer tempo), situações constrangedoras que as redes televisivas prefeririam queimar do seu arquivo para levar ao esquecimento, acabam sobrevivendo e destruindo o conceito “descartável” que é propagado pelas emissoras de televisão, seguindo a máxima “o que é apresentado hoje, será descartado amanhã”.

O primeiro caso é o do apresentador esportivo Fernando Vanucci, que surpreendeu a todos ao apresentar um bloco inteiro de seu programa (Bola na Rede, da Rede TV), após a vitória da seleção italiana na Copa do Mundo de 2006, atordoado por alguma substância que alguns disseram ser bebida alcoólica, ele disse ser remédios antidepressivos.



O segundo caso ocorreu em meio ao programa Arena Sportv (do canal por assinatura com o mesmo nome) e a responsável pelo momento vexaminoso foi a jornalista Milly Lacombe ao ser repreendida pelo goleiro Rogério Ceni após acusá-lo de falsificar uma assinatura em um suposto documento de transferência para um outro clube.



Já o terceiro caso, envolvendo o apresentador Silvio Santos na época em que ele apresentava o programa infantil “Domingo no Parque”, não foi tão embaraçoso assim: ao autorizar uma garotinha a contar uma piada, Silvio Santos se deixa entrar na dança e acaba servindo de bode expiatório para a graça da menina, que o manda enfiar o bambu em lugar indevido depois de pedir que ele responda a diferença entre o poste, a mulher e o bambu.



Não seriam todos esses casos meras anedotas, lendas contadas por amigos que desejaram ver a figura arranhada de personalidades que eles não gostam? Mesmo que não tenhamos visto o Vanucci bêbado (pois preferimos comemorar a vitória italiana na Copa comendo uma macarronada na casa da vovó, por exemplo), sentido pena da Milly Lacombe tombando perante o goleiro são-paulino (nem todo mundo tem TV por assinatura) ou compartilhado da perplexidade do Silvio Santos (afinal, nem todo mundo vivenciou os anos 70), tais momentos não apenas poderão ser vistos e revistos como poderão ser espalhados como doença para amigos e conhecidos que tenham a disposição um computador com acesso a um endereço como o Youtube.

Mas não são apenas de gafes que vive o Youtube, pois muitos foram os artistas geniais, e geniosos, banidos da televisão que encontraram neste hospedeiro um espaço para serem descobertos e redescobertos. Andy Kaufman, por exemplo, foi um comediante de vanguarda norte-americano que fez as emissoras em que trabalhou, nos anos 60, se submeterem ao seu talento, não o contrário. Kaufman ganhou notoriedade quando Jim Carrey o encarnou na cinebiografia do comediante “O Mundo de Andy”, mas nem o filme do Carrey fez com que as emissoras de televisão (abertas ou por assinatura) se mobilizassem para colocar em suas programações algumas das participações do Kaufman para a televisão.



Pode-se perder determinado programa, determinada gafe que, a priori, deveria ser levada ao esquecimento, mas o “hospedeiro” Youtube, com a constante colaboração de telespectadores munidos com fitas de programas gravados da televisão, realizam um verdadeiro processo de reciclagem com o lixo descartável que deveria ser jogado fora da memória de relapsos telespectadores. O programa que foi um dia ao ar se transforma em um vídeo digital com péssima qualidade de imagem e som. Opção estética e viabilização técnica das mais fascinantes, vendo que assume um papel oposto da estética limpa e asséptica pregada pelas emissoras de televisão.



Seria o Youtube o inimigo nº. 1 da televisão? Menos inimigo do que, talvez, um filho bastardo que carrega em seu corpo características do seu progenitor, traz consigo uma herança degenerada conseqüente de uma má formação e desenvolvimento. O Youtube, essa ovelha negra, seria então o responsável por levar adiante uma herança, uma feiúra que seus pais prefeririam esconder? As respostas poderão ser adquiridas ao toque de palavras-chaves no comando de busca do site. Busque por Vanucci, Lacombe, Silvio Santos, Andy Kaufman, mas procure também por “Banheira do Gugu”, “Ratinho” ou “João Kleber”, entre outras figuras que foram banidas do faro moral que rege as grades de programação.

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