A distribuidora Europa Filmes começa a lançar a partir desse mês obras até então inéditas em vídeo no Brasil. Os filmes são algumas obras dirigidas por alguns dos mais importantes cineastas mundiais. Entre os artistas selecionados está Wim Wenders, cineasta alemão que, junto a nomes como Werner Herzog e Rainer Werner Fassbinder, reacendeu o cinema alemão na década de 70.
Wenders é mais conhecido pelo seu trabalho na década de 80, período no qual trabalhou em algumas produções norte-americanas (“Paris, Texas” é um deles), mas com o lançamento de quatro títulos - entre eles três filmes da primeira fase do cineasta: “A Letra Escarlate”, 1973, “Movimento em Falso”, 1975, e “No Decurso do Tempo”, 1976 - os cinéfilos brasileiros poderão finalmente preencher uma lacuna pouco apreciada na história do cinema, que foi o cinema maneirista.
O adjetivo “maneirista” tende a ser interpretado como depreciativo e geralmente refere-se a filmes afetados, de pura perfumaria. Mas o maneirismo referido aqui diz respeito a um período na história do cinema, os anos 70, no qual vários cineastas se deparavam com o mesmo dilema, que era a idéia de que todos os bons filmes já haviam sido feitos e que não havia um caminho a superar (“como superar o John Ford de Rastros de Ódio?” ou “como superar Hitchcock?”, deveriam ser questionamentos freqüentes).
Os caminhos desses cineastas eram distintos: uns seguiam pelo virtuosismo (Brian De Palma em relação à Hitchcock), outros transformavam gêneros estimados em óperas (Sergio Leone e o western, Dario Argento e o terror) e ainda havia aqueles que trafegavam por diversos gêneros e não se atinham a nenhum, retinham apenas a melancolia no recito. Wim Wenders é um exemplo do último caso.
O que unia todos esses cineastas era uma temática constante: a morte do cinema. Brian De Palma explodiu a cabeça de John Cassavetes (outrora um dos expoentes do cinema moderno norte-americano) no filme “A Fúria” e Leone fez o enterro de Sam Peckinpah (um dos cineastas responsáveis por revigorar o faroeste) em “Meu Nome é Ninguém”.
Além dos três filmes citados, faz parte dos lançamentos a obra-prima “O Estados das Coisas”, de 1982, que foi lançado em VHS numa cópia capenga pelo extinto selo Globo Vídeo. Obra-prima porque talvez seja o filme em que a “morte do cinema” fora encenada de forma mais transparente - o filme aborda justamente a impossibilidade de um cineasta continuar filmando - e também porque talvez seja o filme onde todas as obsessões do cineasta se aglutinara em uma única película.
A história do filme é sobre os bastidores da refilmagem da ficção científica “O Dia em que o Mundo Acabou”, produção americana realizada em Lisboa por um cineasta alemão. A tragédia envolve o diretor Friedrich Munro (alter ego de Wenders no filme, interpretado por Patrick Bauchau) que paralisa as filmagens por falta de verba e passa, ao longo do filme, a procurar pelo produtor norte-americano, que foge de credores.
O título do filme que seria refilmado, as paisagens lânguidas de Portugal capturadas em preto e branco, a insatisfação do elenco, tudo no filme transpira à morte. O que também confere veracidade ao drama vivenciado pelo diretor do filme é o fato de Wim Wenders ter protagonizado um enredo similar em sua carreira como cineasta: antes de realizar “O Estado das Coisas”, Wenders foi aos EUA, contratado pelo estúdio Zoetrope (comandado pelo diretor Francis Ford Coppola), para dirigir “Hammett”, filme baseado num livro do escritor policial Dashiell Hammett.
O sonho antigo do cineasta alemão de realizar um filme nos EUA - a terra dos seus maiores mestres Nicholas Ray e Samuel Fuller - se transformou em pesadelo quando o implacável produtor Coppola começou a interferir na feitura do filme, de um modo que descaracterizou o que Wenders tinha imaginado para o projeto. Coppola, assim como o produtor do “O Estado das Coisas”, vivia sob intensa pressão de credores que ainda lhe tirava dinheiro pelos exageros cometidos nas filmagens do seu “Apocalipse Now”.
Se no ano de 1980 Wenders achava que não havia mais mortes à filmar, após ter feito o drama-documentário “O Filme de Nick” - filme sobre os últimos dias da vida do cineasta Nicholas Ray -, com “O Estado das Coisas” o cineasta lida com sua própria morte como artista, transforma até a câmera de cinema em uma arma a ser usada em um suicídio.
O maneirismo vislumbraria um último aspirar de ópio em 1984, com o “Era uma vez na América”, de Sergio Leone, mas a morte já havia sido decretada por Wenders em “O Estado das Coisas”, a câmera já estava ali apontada, pronta para o tiro. Os filmes que se seguiram na carreira do cineasta alemão são provas cabais dessa morte e da asfixia intelectual que sofreu. Após “Paris, Texas” e seu retorno à Alemanha com o “Asas do Desejo”, o que se pode ver nos filmes de Wenders é um cinema morto - sem brilho, inexpressivo, entorpecido - que insiste em ficar de pé.
O desencanto, o sentimento da morte iminente que fazia o cinema de Wenders respirar no início de carreira, e chegou ao ápice com “O Estado das Coisas”, inexiste nos filmes que se seguiram na filmografia do cineasta - já não há a morte do cinema, só um cinema morto -, mas esse desencanto maneirista, preocupado com as formas de se encenar a morte é uma herança que o cineasta deixou e que vem sendo bem administrada nos filmes de Abel Ferrara (“Blackout” e “New Rose Hotel”) ou de Jim Jarmusch (“Dead Man” ou no recente “Flores Partidas”).
Nenhum comentário:
Postar um comentário