Caro leitor, o nome Danièle Huillet lhe diz alguma coisa? Não é preciso ficar embaraçado por não ter tido a oportunidade de ler esse nome nos créditos de algumas das mais viscerais experiências cinematográficas do século passado, pois as fitas dirigidas por essa francesa em parceria com o seu marido, Jean-Marie Straub, permanecem no subterrâneo (no Emule, por exemplo) do mercado de vídeo brasileiro. Você provavelmente nunca ouviu esse nome e é pouco provável que volte a ouvir algo relacionado após esse texto, pois nem o Oscar parece fazer idéia de quem foi ela.
Na noite de domingo aconteceu a festa de entrega do Oscar, para os “melhores” do cinema do último ano. Como de costume na apresentação, os organizadores reservaram uns minutos para homenagear os artistas falecidos desde a premiação anterior. Desfilaram pela tela nomes como o do ator Jack Palance, do cineasta Robert Altman e do produtor italiano Carlo Ponti. Tremendas perdas, mas e Danièle Huillet, que faleceu em outubro de 2006? Não foi mencionada.
Os filmes que Huillet e Straub realizaram dificilmente “agradaram” ou “divertiram” os espectadores, verbos em aspas que foram utilizados por Jodie Foster na apresentação do vídeo. Seria devido a esses detalhes que o nome da francesa não fora incluído ou simplesmente a falta de instrução e conhecido histórico do cinema por parte dos integrantes da academia? Eu ficaria com a segunda alternativa, que acaba também por englobar a primeira.
Suponhamos que os homens da academia desconheçam Danièle Huillet e se eles desconhecem a cineasta isso quer dizer que eles desconhecem o pensamento de cinema dela e a importância desse cinema para as gerações que a seguiram, pós-anos 60. Desconhecem sua herança, a de um cinema intransigente e artesanal que primava pela valorização da composição do plano e da não-banalização dos movimentos da câmera. Cinema que se inspirava nas artes de outros séculos, anteriores ao próprio cinema (não à toa os filmes do casal se apoiavam em nomes como do músico J.S. Bach ou do pintor Paul Cézanne). Um cinema profundo, questionador e difícil.
Quais são os artistas norte-americanos que permanecem nesse caminho? John Carpenter é um exemplo, tendo realizado vários filmes de gêneros considerados “inferiores” por muitos. O cineasta nunca ganhou um Oscar. Já Martin Scorsese sempre foi lembrado pela academia, mas até esse ano nunca tinha levado um prêmio como diretor. Ele é o homem responsável por obras seminais como “Touro Indomável” e se seguia algum dos caminhos propostos por Danièle Huillet e Jean-Marie Straub era o de ser um artista intransigente, de um modo que não se é artista se não o for - deixando claro aqui que utilizo o adjetivo intransigente para falar do artista que não cede a interesses do mercado na gestação de uma obra.
O tempo passou e Scorsese conseguiu realizar o sonho antigo de filmar o livro “Gangues de Nova York” que tanto o atormentava nos anos 70. Conseguiu realizar o filme tendo que negociar com os produtores a duração do filme e a aceitação de um certo “astro” para encabeçar a produção, Leonardo Di Caprio. Tendo material pra fazer um filme de quatro horas e executar um corte final com menos de três horas, Scorsese fez do seu épico um filme quase aberrante, considerando o estilo que o cineasta estabelecera em uma longeva carreira (o rigor na movimentação da câmera e na composição do quadro).
Scorsese foi lembrado por “Gangues de Nova York” e quase levou o seu primeiro Oscar. Cinco anos se passaram e a realização displicente de uma refilmagem do filme “Conflitos Internos”, o filme “Os Infiltrados”, concretizou um sonho antigo do cineasta: ganhar uma estatueta do Oscar. O prêmio lhe foi entregue por velhos amigos, que estudaram cinema com ele na década de 60: Francis Ford Coppola, George Lucas e Steven Spielberg - só esqueceram de convidar pra brincadeira o Brian De Palma, cineasta que em início de carreira aconselhava um jovem Marty (apelido do Scorsese) na edição dos seus primeiros filmes.
O fato de a academia ter premiado Martin Scorsese pelo filme “Os Infiltrados” pode ser visto como uma correção de erros execráveis de outros tempos, mas é também uma prova de que a academia não se importa com a arte do cinema, e que não suporta intransigência por parte dos artistas. Assim como num baile à fantasia onde se premia ao final a melhor vestimenta, o que mais importa no Oscar não é a premiação - filme X ser superior ao filme Y de acordo com certas noções conceituais do cinema - o que importa é a festa - a extravagância e a frivolidade.
A todo momento eu me vejo tentado a perguntar o que faz um bom filme. Acredito ser a soma de fatores, que vai do modo como o diretor conduz a produção e suas estrelas até o trabalho dele com o diretor de fotografia e seu editor. Considero incompreensível que um filme indicado ao Oscar de melhor filme não some as indicações também de melhor fotografia e edição (só “Babel” e “Os Infiltrados” foram indicados para as categorias técnicas). O problema é que a academia parece julgar a fotografia ou a edição de um filme não por sua funcionalidade na dramaturgia da obra, mas sim por critérios estúpidos como “fotografia mais bonita e extravagante” e “edição mirabolante” - de novo aqui a “extravagância” e “frivolidade”.
O problema é que o Oscar parece não gostar de cinema, não gostar de filmes. É por essas e outras que um ator como Forest Whitaker ganha pelo enfeitado papel em “O Último Rei da Escócia” e não por sua entrega total no papel de Charlie Parker, no filme “Bird”, filme de 1988 dirigido por Clint Eastwood. É por essas que o maior cineasta da história do cinema, Jean-Luc Godard, nunca foi ou será indicado ao Oscar. É por essas que Danièle Huillet (“quem?”) é esquecida em uma homenagem à artistas falecidos.
Se o Oscar não gosta de cinema, eu também não gosto do Oscar.
2 comentários:
Oi, gosto do seu texto e de sua maneira de ver o cinema. E apesar das diferenças de opiniões (o que é salutar), muitos de seus filmes preferidos figuram também entre os meus. Voltarei, claro. Um abraço.
Olá Moacy. Eu acompanho sempre o seu blog também, é uma referência para quem é aficionado em listas. Abraço.
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